Nas duas últimas semanas, estátuas e monumentos de personagens associados à escravidão, ao colonialismo e ao racismo foram derrubadas em diversas cidades da Europa e dos Estados Unidos por ativistas que participavam de marchas do “Black Lives Matter”, movimento internacional surgido em 2013 para protestar contra a violência direcionada as pessoas negras e que ressurgiu com ainda mais força este ano, depois que o afro-americano George Floyd foi brutalmente assassinado no dia 25 de maio por Derek Chauvin, policial branco de Minneapolis.
Um dos primeiros alvos do manifestantes foi uma estátua de Cristóvão Colombo, decapitada na noite do dia 9 de junho, em Boston, Estados Unidos. Nos dias seguintes, o gesto contra símbolos do colonialismo se repetiu. No dia 11 de junho, na cidade inglesa de Bristol, a estátua do traficante de escravos Edward Colston foi derrubada e jogada no principal rio da cidade. Neste mesmo dia, em Portugal, uma estátua do padre Antônio Vieira, no Largo Trindade, em Lisboa, foi também destruída. De acordo com informações do portal Público, a palavra “descoloniza” foi pintada de vermelho no movimento. Além disso, “a boca, mãos e hábito do clérigo foram tingidas de vermelho e no peito das crianças indígenas que estão representadas à sua volta foi pintado um coração”.
As ações populares contra esses lugares de memória reascendeu um debate antigo e importantíssimo na esfera pública: o que fazer com as memórias da opressão. No Café História, o tema já foi debatido por Caroline Silveira Bauer, no artigo “Escravidão e memória: as transformações recentes no espaço público espanhol”, por Vitor Izecksohn, no artigo “Os monumentos confederados nos Estados Unidos: memória e política”, e por Arthur Lima de Avila, no artigo “Os tempos de Charlottesville: uma história norte-americana”.
Desta vez, convidamos convidamos dois especialistas e duas especialistas para discutir o assunto. Eles explicaram em formato áudio o que acham deste movimento de derrubada de estátuas e monumentos.
Ricardo Santhiago, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em História Pública, disse que costuma levar o tema para a sala de aula. Para ele, o fenômeno da derrubada das estátuas e dos monumentos históricos é bastante compreensível, afinal de contas, esses lugares de memórias expressam ódio. Por outro lado, ele diz considerar mais interessante os chamados “atos de rasura”, que não apagam o objeto, mas o transformam, produzindo novas camada, desafiando a memória e aguçando a disputa pela cidade, além de explicitar o conflito.
Já a professora do Departamento de História e especialista em história da arquitetura, Cristina Meneguello, destaca como que devemos aproveitar enquanto sociedade esse momento e discutir o lugar dos monumentos históricos em nossas cidades. Ela também lembra que “a ressignificação das estátuas não é um movimento inédito”. Nos Estados Unidos, segundo Meneguello, existe há muitos anos um debate sobre a retirada ou não de estátuas de generais confederados, que culminam também com manifestações públicas naquele país. A historiadora também comenta a situação de monumentos no Brasil, como o dos Bandeirantes, em São Paulo, alertando que monumentos são comemoração e confronto. Ela diz que há muitas formas de se lidar com essas formas de memória, devendo ser objeto de um debate histórico e não apenas de um voluntarismo.
De acordo com Paulo Knauss, professor de História da UFF, ex-diretor do Museu Histórico Nacional e do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, as cenas de destruição de estátuas e monumentos devem ser vistas dentro de uma longa história de movimentos iconoclastas, isto é, movimentos que são contra a veneração de imagens. Esses movimentos, conforme explica, sempre foram críticos do seu próprio tempo, rejeitando certas leituras estabelecidas do passado. Knauss afirma ainda que mais importante do que ser “contra” ou “a favor” a destruição de imagens e monumentos, é promover uma leitura crítica desses objetos em nossa sociedade. “O passado não se apaga se tiramos os seus objetos da paisagem”.
Também conversamos com Evelyn Goyannes Dill Orrico, Pró-Reitora de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e docente do Programa de Pós-Graduação em Memória Social (PPGMS). De acordo com Orrico, o fenômeno das derrubadas de estátuas são embates pelo ato de recordar. A pesquisadora diz que não há resposta fácil no caso. Para ela, é legítimo que aqueles que se sentem oprimidos por um personagem ou evento homenageado se manifeste e mostre a sua insatisfação. Mas, por outro lado, do ponto de vista da dimensão cultural, essas obras marcam um determinado momento, ainda que hoje elas sejam inadmissíveis.
Debate importantíssimo, visto que o tempo presente nos remete as leituras do passado.
Esses movimentos revivem questões que sinalizam o papel que a história pública ocupa em refletir sobre o papel memória e suas representações na sociedade atual.
Muito bacana a iniciativa, pena que mesmo em uma situação em que o racismo é o centro do problema, o site não é capaz de trazer junto a opinião de especialistas que sejam negros. Me pergunto se é uma crença inocente de que esses sujeitos não existem ou se é o resultado de décadas de redes profissionais constituídas fortemente em torno da branquitude.
Você tem razão, Josué. Nossa preocupação primária foi trazer especialistas em patrimônio, mas a fala de historiadores negros ou de integrantes do movimento negro seria realmente importante, sobretudo porque o racismo está no centro da questão. Nós nos esforçamos todos os dias para fazer uma divulgação científica melhor. Pode ter certeza que o Café História é sensível para a questão que você coloca. Abraço!
VocÊs convidaram apenas historiadores brancos. Pensem sobre isso.
Pensamos, amigo. E você tem razão. Abraço!
Me pergunto se a estética não deveria balizar essa discussão; e se o tempo afinal não acabou varrendo desses objetos seu caráter ideológico. Tudo soa meio forçado, parece. O que pode suscitar afinal, às pessoas de hoje, uma estátua como a do Borba Gato (bonecão gigante, “pop”, genial, que, bom lembrar, já foi alvo de outro crivo simplista que sugeria derrubá-la por ser “de mau gosto”). O que dizer então do “empurra-empurra” (com apelido, que seja), de Brecheret, que nos protestos de 2013 foi escalada por manifestantes com bandeiras e virou símbolo da luta social? E até precisou ser protegida do vandalismo da direita, lembram? Reacionário, precisava ser dito, são vários bustos “clássicos” em praças, aquela estátua pavorosa do Airton Senna. E quanto à tela da Independência, do Pedro Américo, falsa historicamente, deveria então ser derrubada de seu pedestal? Ideologia demais pode cegar. Sou 100% a luta contra o racismo, contra a direita, a favor dos embates sociais, é bom dizer. Também sei que esta reflexão não servirá pra coisa alguma…
Temos de tomar cuidado com qualquer julgamento.Exemplos importantes não citados pelos professores foram as estátuas de líderes socialistas,como Lênin,Marx e Stalin nos países do Leste Europeu e cuja derrubada foi saudada pela mídia ocidental como vitórias da liberdade.Também o bombardeio dos Budas afegãos,feita pelos talibâs e que foi considerado barbarismo aqui foi motivado por motivos religiosos bastante defensáveis à luz do islamismo.Portanto,qual a diferença entre isto e o ocorrido agora na Inglaterra e EUA e mesmo o que pode acontecer no Brasil?
Podemos observar, que a opiniões adiversas referente ao assunto abordado.
Diferentes historiadores,professores,reitores,enfim,formadores de opiniões dividem os pontos de vistas.Acredito em que na maioria das vezes em que imagens,estatuas e monumentos são destruídos,pichados enfim,que sofrem algum dano,procura-se expressar de alguma forma insatisfação,revolta,protesto ou ate mesmo pedido de ‘’socorro’’.
No meu ponto de vista,maneira errada de protesto,porque em algum momento estas estatuas representavam um período em que nelas se basearam,esse período embora triste ou sofrido ou até mesmo alegre,existiu.Isso denomina nossa história.
Vejo que ha tempos esta discussão vem ganhando proporções gigantescas, o que é bom pois é uma forma de abordar o assunto e a tempo corrigir o que eventualmente esta errado.
Diferentes historiadores e até professores divergem seus pontos de vistas, e isso abre os nossos olhos para discução e debates. Acredito eu, que monumentos e estatuas podem sim estar equivocadamente homenageando pessoas e as destruções, pichações podem sim estar relacionadas com protesto ou reinvindicações justas e pessoas. Pórem, na minha visão, esta é uma forma suja de protesto, porque de alguma maneira este monumentos representam um período, uma história, que muitas vezes foi infeliz, mas ainda sim fez parte de um povo. Tudo parte de um ponto de vista, o que para alguns foi um herói, para outros um carrasco, e não deveriam ser homegeados. Penso que a homenagem em forma de busto ou estatua deve ser muito bem pensada para que não venhamos a nos indagar se ele realmente merece isso.
[…] Ainda sobre isso, reparando o contexto global, estamos sobre um movimento de reapropriação de acervos e narrativas históricas. O que aconteceu com a estátua de Borba Gato foi um sintoma de algo maior, não apenas um ato isolad…. […]