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“Entre Rosas”: nem só de armas vivem as batalhas 

“Entre Rosas”: nem só de armas vivem as batalhas  1

"Uma comédia dramática sobre a família misturada e transmissão, cheia de charme e benevolência". Le Journal du Dimanche

Nem só de armas vivem as batalhas. Algumas vezes “flores” – como símbolo de fraternidade e empatia – alcançam um resultado mais profundo e duradouro nas mudanças sociais e quebra de paradigmas. Parece ingênuo? E é. Mas também faz parte da natureza humana nutrir esperanças e buscar o melhor de (em) si. 

Em “Entre Rosas” (La Fine Fleur, França, 2020), o jovem diretor Pierre Pinaud, conhecido pelo filme Parlez-Moi de Vous (On Air) de 2012 – onde conta a história de uma psicóloga com um famoso programa de rádio noturno, mas que em sua vida privada é uma reclusa em busca de sua mãe desconhecida – voltou com um segundo longa metragem após um hiato criativo de 8 anos. E, mais uma vez, o roteiro tem por tema a maternidade com uma abordagem sutil e delicada em forma de tragicomédia.

Lançado na França em 2020, o filme estreou nos cinemas brasileiros somente em agosto de 2022, após breve participação no Festival Varilux de Cinema Francês em julho. Imagino que o atraso na distribuição seja em parte culpa da pandemia, que afetou o cronograma de lançamento de inúmeras obras nos últimos dois anos. Mas isso de forma alguma altera o seu conteúdo e relevância para nosso mundo pós pandemia, onde vemos um agravamento do desemprego, formas de subemprego, fome e quebradeira geral, que se tornou um fenômeno mundial presente até mesmo nos países mais desenvolvidos.

Ève Vernet, interpretada pela sensacional Catherine Frot, comanda há 15 anos o negócio de criação de rosas que herdou após a morte de seu pai. Ève luta para sobreviver com sua pequena e seleta produção de flores diante da expansão de grandes empresas no ramo. Está à beira da falência, sendo pressionada pela concorrência a vender sua propriedade e sua marca. Sem ter mais dinheiro no caixa para sustentar o próximo plantio de flores Ève se encontra em um beco, aparentemente, sem saída, dividida entre as opções de vender ou fechar sua empresa. Até que Vèra (Olivia Côte), sua fiel escudeira e administradora, surge com a ideia de contratar trabalhadores sem experiência, indicados pelas agencias de emprego governamentais em um programa de reinserção no mercado de trabalho, que receberiam um ordenado mínimo com a contrapartida de aprenderem o ofício. Uma espécie de estágio remunerado para pessoas em situação de desemprego e vulnerabilidade social.

E assim entram em cena os outros três personagens centrais da narrativa:  Fred, muito bem interpretado por Melan Olmerta, é um jovem rapaz que, após ser abandonado pelos seus pais na adolescência, seguiu uma carreira de pequenos delitos que lhe causou diversas passagens por instituições correcionais. Samir (Fatsah Bouyahmed), é o imigrante com consciência de classe que pula de subemprego em subemprego, tentando buscar estabilidade material na sociedade francesa que insiste em tratá-lo como um intruso. E por fim, a ansiosa e fóbica Nadège (Marie Petiot), que sofre para sobreviver em uma economia que rejeita e descarta mulheres jovens inseguras e inexperientes.

Esse é o momento em que nos perguntamos – seria esse mais um roteiro banal de redenção de brancos privilegiados que acolhem os menos favorecidos? Em uma análise superficial, o que pode ocorrer em um filme esteticamente perfeito e de comédia, podemos incorrer nesse erro. Mas o tratamento dado ao assunto por Pinaud acaba por inverter os papeis e mudar essa dinâmica. Vernet é uma solitária dura, solitária, inflexível e temperamental. Uma mulher que passeia na margem da misantropia. Porém, no melhor estilo dickensiano, é ela que precisa, e muito, aprender. Entre Rosas não foge de assuntos contemporâneos como misoginia, homofobia, xenofobia e gentrificação. Com uma pincelada aqui, outra ali, o filme acaba polinizando a audiência com sua ternura. A trupe desigual vira, por fim, um time coeso onde todos lucram, aprendem e crescem juntos.

Entre Rosas é um colo de mãe. Quentinho, amoroso e acolhedor. É um jardim florido e perfumado, mas que não ignora suas ervas daninhas. Um filme que, apesar de carregar vários clichês, nos faz sorrir, chorar e acreditar, mesmo que só um pouquinho, no poder transformador do afeto e da empatia.

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