Durante a posse de seu segundo mandato, Donald Trump, fez uma série de declarações que tiveram grande repercussão mundial. Em uma delas, o presidente dos Estados Unidos afirmou sua intenção de renomear o Golfo do México para Golfo das Américas, que, segundo suas palavras, seria uma denominação “mais bonita”.
À primeira vista, essa declaração pode parecer algo sem maiores repercussões. No entanto, o mapeamento é sempre um ato de poder político, e não apenas estética cartográfica. Ele tem o poder de legitimar e impulsionar ações com efeitos muito reais na vida das pessoas. Além disso, o Golfo do México, o maior golfo do planeta, abriga significativas reservas de petróleo em seu subsolo.
Renomear mapas e lugares não é novo na história. No século XVIII, durante a definição das fronteiras entre a Espanha e Portugal na América, em decorrência do Tratado de Madrid, a Coroa portuguesa instruiu os demarcadores a alterarem os nomes de acidentes geográficos e vilas, adotando uma toponímia de origem lusitana.
Essa estratégia visava reforçar, por meio da cartografia, a ocupação efetiva do território pelos portugueses. Uma parte importante da expansão dos impérios ultramarinos da época moderna dependia da nomeação e mapeamento dos territórios. O historiador Matthew Edney chegou a afirmar que “o império existe porque pode ser mapeado; o significado do império está inscrito em cada mapa”.
Mas, se a toponímia, isto é, o estudo dos nomes geográficos, pode ser utilizada como forma de legitimar o exercício do domínio sobre uma região, também pode servir para defesa. Foi o que fez a presidente mexicana, Claudia Scheinbaum, ao rebater as declarações de Trump com o apoio de um mapa mundi datado de 1607, no qual se podia ver o território atual dos Estados Unidos nomeado como América Mexicana. A fala irônica da presidente utilizava o registro toponímico para argumentar que, se a questão era renomear territórios, o critério deveria ser a recuperação de seu nome original.
A natureza dos mapas
Os mapas não são meras representações objetivas da realidade e nem possuem apenas uma função descritiva. A elaboração de um mapa de qualquer natureza, histórico ou não, atende a objetivos e interesses específicos. Ao analisarmos como os mapas operam em meio a disputas entre Estados, percebemos que eles não apenas refletem esses processos, mas também desempenham um papel ativo na construção do território nacional. Isso ocorre porque os mapas projetam uma imagem do espaço de acordo com concepções alinhadas a determinados projetos políticos.

Parece que Trump tem lançado mão dos mapas nesse sentido: como artefatos importantes para legitimar seus discursos e como instrumentos visuais capazes de difundir uma ideologia. Esse foi o caso do mapa divulgado por ele em sua própria rede (Truth Social), no qual mostrava o território do Canadá como parte dos Estados Unidos, numa tentativa de justificar a ideia de anexação do país.
Essas ações impositivas sobre outros territórios fazem parte do conjunto de medidas que, segundo Donald Trump, contribuíram para construir uma América grandiosa para os americanos. Essa grandiosidade, no entanto, não se estende a toda a toda população, mas sim a um grupo restrito de indivíduos.
Google Maps joga lenha na fogueira de Trump
Recentemente, um novo elemento foi acrescentado à polêmica. O Google adotou a modificação do nome Golfo do México no Google Maps. Segundo a empresa, o nome “Golfo da América” apareceria dessa forma apenas para quem acessasse o aplicativo nos Estados Unidos. A empresa afirmou que, sempre que houver discordância entre os países quanto ao nome de um local, essa será a política adotada. Foi essa a posição do Google em outras questões geopolíticas recentes, como na representação da Crimeia. Quando acessado a partir da Rússia, o Google Maps exibia a região como território russo, enquanto usuários na Ucrânia viam o mesmo como parte ucraniana.
No entanto, apesar desse posicionamento inicial, ao buscarmos “Golfo do México” no Google, o resultado é sempre acompanhado pela designação “Golfo da América” entre parênteses, sugerindo a nova nomenclatura para usuários do mundo todo.
Pode ser difícil imaginar que um mapa que utiliza dados baseados em informações obtidas por satélites não seja uma representação fiel da realidade. Mas, quando ter acesso a informações sobre os lugares não é mais propriamente um desafio, o grande ponto é quais informações e de que maneira elas nos são apresentadas nas telas que nos acompanham em todos os lugares.
Monte McKinley
No primeiro dia de seu segundo mandato, Trump assinou um decreto que restabelecia o nome “Monte McKinley” para a montanha Denali, cujo nome original, na língua nativa local, significa “grande”. A denominação em homenagem ao presidente William McKinley, assassinado em 1901, havia sido adotada no início do século XX, mas nunca foi plenamente aceita por parte da população, especialmente pelos povos indígenas da região. Ao longo do tempo, diversas iniciativas tentaram restaurar o nome Denali, devido ao seu significado cultural e histórico, mas todas foram barradas. A mudança só foi oficializada em 2015, no governo do democrata Barack Obama.
A restauração de Trump passa por cima das reivindicações das populações originárias e, ao mesmo tempo, o aproxima da imagem de William McKinley, presidente associado a um período de expansão territorial e crescimento econômico dos Estados Unidos, alinhando-se, assim, à retórica do “Make America Great Again”.

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O ato de nomear e renomear territórios sempre envolve disputas políticas, porque evoca memórias, carrega dimensões afetivas e desempenha um papel fundamental na construção de identidades e concepções ideológicas. O nome de um acidente geográfico, que pode parecer irrelevante para o olhar apressado, é muito significativo.
Questão central para a cartografia
Essas polêmicas trazem à tona uma questão central para os estudiosos da cartografia: os mapas foram e são instrumentos de poder que podem ser manejados com diferentes finalidades. Esses objetos são resultados de conhecimentos técnicos importantes, desenvolvidos ao longo dos séculos, mas estão longe de serem neutros ou meras representações objetivas da realidade, mas expressões da política. Por essa razão, inclusive, um mesmo lugar pode ser mapeado de diferentes formas.
Mapas desprovidos de contexto passam a circular de uma forma que, na dinâmica das redes, de disputa pela atenção dos usuários com mensagens curtas e uso de imagens, compartilhadas e reproduzidas incessantemente, podem se tornar mais um elemento na construção de discursos extremistas.
A presidente mexicana nos deu um exemplo importante do potencial dos mapas, quando bem utilizados, para entendermos que territórios são produzidos por processos que são muito complexos. Sua resposta irônica a Trump demonstrou como a cartografia pode ser mobilizada como um instrumento de resistência e questionamento do poder. Compreender os mapas como construções sociais e políticas é essencial para evitar leituras ingênuas e para questionar as intenções por trás de sua elaboração e circulação. Em um mundo onde a informação visual se espalha rapidamente, a análise crítica da cartografia se torna ainda mais necessária, pois os mapas não apenas representam o mundo, mas também ajudam a moldá-lo.
Referências
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Como citar este artigo
BOTH, Amanda. Por que renomear lugares e mapas é tão importante para Donald Trump? (Artigo). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/donald-trump-mapas-lugares. Publicado em: 10 mar. 2025. ISSN: 2674-5917.