Dicas de livros: fevereiro de 2017

13 de fevereiro de 2017
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Três dicas, três temas, três lançamentos. Esta é a tônica deste “Dicas de Livros”.

Pela primeira vez, indicamos um livro da Editora Sundermann, fundada em 2003 e que tem o objetivo de auxiliar na formação do pensamento crítico marxista no Brasil. Trata-se do livro “A limpeza étnica da Palestina”, livro clássico do historiador israelense Ilan Pappé. Como veremos, o livro desperta opiniões bem diferentes no meio acadêmico. Da Companhia das Letras, trazemos “A odisseia do cinema brasileiro”, de Laurent Desbois, uma das principais referências no que diz respeito à História do cinema nacional. Lançamento importante pelo conteúdo e por mostrar a necessidade do diálogo da História com o audiovisual. Por fim, um livro que é uma verdadeira obra de arte: “Os naturalistas do Império – o conhecimento científico de Portugal e suas colônias (1768-1822)”, organizado por Ana Lúcia Rocha Barbalho da Cruz e Magnus Roberto de Mello Pereira.

PAPPÉ, Ilan. A Limpeza Étnica da Palestina. (Trad. Luiz Gustavo Soares). São Paulo: Editora Sundermann, 2016. 359 pp.

A Editora Sundermann acaba de lançar no Brasil, pela primeira vez, o livro “A Limpeza Étnica da Palestina”, do historiador israelense Ilan Pappé, autor do grupo informalmente conhecido como “novos historiadores israelenses”. O livro – publicado originalmente em 2006 – defende que a criação do Estado de Israel, em 1948, se deu com base numa série de ações de limpeza étnica que expulsaram milhares de famílias palestinas do país. Pappé – que se tornou persona non grata em Israel há alguns anos – afirma ainda que este assunto foi encoberto pela narrativa historiográfica israelense. No prefácio do livro, o autor declara: “aproximadamente 30 anos atrás, as vítimas da limpeza étnica começaram a remendar a representação histórica que a narrativa oficial israelense sobre 1948 tanto fizera para encobrir e distorcer”. Pappé é crítico daquilo que chama de “fábula israelense”, isto é, uma narrativa historiográfica israelense que, a partir da década de 1970, teria construído um entendimento de que os palestinos deixaram Israel (Palestina) de forma voluntária.

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Ciência, Oriente Médio e cinema brasileiro. Tudo isso em nossas dicas de fevereiro de 2017. Foto: Café História.

Segundo Pappé, o historiador Benny Morris (veja aqui um vídeo que fizemos com Morrys alguns anos atrás) foi um dos principais articuladores desta perspectiva. “A Limpeza Étnica da Palestina”, contudo, desperta reações antagônicas entre pesquisadores. Na contra-capa do livro, Arlene Clemesha, professora de História Árabe e diretora do Centro de Estudos Árabes da Universidade de São Paulo (USP), “nenhum outro livro explicou com tanto rigor e recurso a arquivos israelense o processo que culminou na expulsão de mais de 750 mil palestinos de suas casas e a destruição de 530 vilarejos”. Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais e coordenador do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), também na contra-capa, elogia a obra: “um divisor de águas nas narrativas sobre a criação do Estado de Israel: a limpeza étnica como projeto sionista”. Opinião muito diferente tem o historiador Leonel Caraciki, doutorando em Estudos sobre Israel e Sionismo na Ben Gurion University of the Negev. Em Bibliografia Comentada publicada aqui no Café História, Caraciki fez duras críticas ao trabalho de Pappé. “O livro (…) é repleto de erros factuais e de distorções documentais, sendo um estudo de caso de como não escrever um livro sobre o assunto”.

Quer saber mais sobre este lançamento da Sundermann? Clique aqui. Conhece o livro e quer registrar sua opinião? Deixe-nos um comentário. Sobre o autor: Pappé é professor da Universidade de Exeter, na Inglaterra. Filho de imigrantes judeus alemães, nasceu em Haifa em 1954, apenas seis anos após a criação do Estado de Israel. Lecionou na Universidade de Haifa entre 1984 e 2007. Um representante do governo de Israel pediu sua demissão, confirmada pelo reitor da Universidade de Haifa em 2007, após Pappé declarar seu apoio à campanha de boicote acadêmico a Israel. Depois disso, exilou-se na Inglaterra.

DESBOIS, Laurent. A odisseia do cinema brasileiro – da Atlântida à Cidade de Deus. São Paulo: Companhia Das Letras, 2016. 573 pp.

Era o dia 19 de junho de 1898, domingo, quando o navio francês Brésil, depois de vários dias de travessia desde a Europa, aportou na Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro. Poucos sabiam, mas começava ali o cinema brasileiro. A bordo do navio estava Afonso Segreto, que trazia um cinematógrafo Lumiére parisiense na bagagem e com o qual filmou a chegada à então capital do Brasil. É com este ponto de partida quase místico da História do cinema – e o elemento místico animaria muito dos principais cineastas brasileiros – que o pesquisador Laurent Desbois inicia o seu belo livro “A odisseia do cinema brasileiro – da Atlântida a Cidade de Deus”, obra que, como o próprio título adianta, conta a História do cinema brasileiro, desde os filmes produzidos pela Atlântida, entre os anos 1940 e 1960, até a chamada “retomada do cinema brasileiro”, iniciada no final dos anos 1990. Recém-lançado pela Companhia das Letras, o livro traz um prefácio de Walter Salles e está divido em duas partes: “Os sonhos de Ícaro” (1940-1970)” e “O lançamento da Fênix” (1970-2000). Para saber mais sobre este lançamento, clique aqui. Sobre o autor: Laurent Desbois trabalhou nos serviços culturais da embaixada francesa em diversos países da África, da Europa e da América do Sul. Doutor em literatura e ciências da arte pela Universidade de Paris X, foi colaborador do Cahiers du Cinéma no final dos anos 1990 e divulgou na França a retomada do cinema brasileiro. Vive no Rio de Janeiro.

CRUZ, Ana Lúcia Rocha Barbalho da; PEREIRA, Magnus Roberto de Mello (Org.). Os naturalistas do Império – o conhecimento científico de Portugal e suas colônias (1768-1822). Rio de Janeiro: Versal Editores e Odebrecht, 2016. 460 pp.

A Versal Editores acaba de publicar o trabalho vencedor do Prêmio Odebrecht de Pesquisa Histórica (Clarival do Prado Valadares) 2016, “Os naturalistas do Império – o conhecimento científico de Portugal e suas colônias (1768-1822)”, organizado pelos pesquisadores Magnus Roberto de Mello Pereira e Ana Lúcia Rocha Barbalho da Cruz. O livro aborda a relevância portuguesa no processo de pesquisa de fauna e flora e a disseminação deste conhecimento em terras brasileiras.

A fauna e a flora sempre chamaram a atenção dos exploradores europeus. Na segunda metade do século XVIII, contudo, esse interesse aumentou sensivelmente, graças ao impulso do Iluminismo, que levou centenas de naturalistas a visitarem as colônias portuguesas. As expedições realizadas por esses homens e mulheres tinham objetivos científicos e ajudaram a descobrir e catalogar diversas espécies de seres vivos, além de minerais que foram e são importantíssimos no conhecimento natural dessas regiões. Muitos museus de História Natural, entre outros, foram fundados neste período. Portugal investiu bastante no empreendimento. Tais investimentos contribuíram para a formação de importantes pesquisadores e foram decisivos para o desenvolvimento de práticas de organização e análise de exemplares recolhidos em seus territórios, o que lhes permitiu dar contribuições significativas para o avanço no campo do conhecimento científico da natureza.

O livro lançado pela Versal Editores é uma obra de tirar o fôlego. E não só pelo conteúdo, mas também pela parte artística. Trata-se de um exemplar de grandes dimensões, impresso em papel Couche Fosco 150g e repleto de imagens coloridas em altíssima resolução. É – podemos dizer sem dúvida – um livro de arte. Há mapas, fac-símiles de pinturas a óleo, plantas arquitetônicas, muitos desenhos e xilogravuras que ajudam a compreender – textual e imageticamente – o trabalho dos principais naturalistas do período. É forte candidato a se tornar uma referência para quem estuda este campo dos estudos históricos.  Para ler mais sobre ele, clique aqui.

Sobre os autores: Magnus Roberto de Mello Pereira – Historiador e professor da Universidade Federal do Paraná – UFPR, possui pós-doutorado na Universidade de Coimbra e na Universidade de Lisboa. É pesquisador do CNPQ e fundador do CEDOPE – Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses, da UFPR. Dedica-se ao estudo da História do Império Colonial Português e das redes científicas estabelecidas pelas principais potências coloniais do século XVIII. É autor de vasta obra sobre o tema. Ana Lúcia Rocha Barbalho da Cruz – Jornalista e Doutora em História pela Universidade Federal do Paraná, possui pós-doutorado na Universidade de Lisboa. É pesquisadora do CEDOPE – Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses, da UFPR. Dedica-se ao estudo da atuação dos cientistas luso-brasileiros formados pela Universidade de Coimbra no final do século XVIII.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

3 Comments Deixe um comentário

  1. Os Naturalistas do Império, além de uma linda obra estética, promete mesmo uma ótima abordagem do tema, e uma análise muito bem vinda. Muito bom, grata surpresa.

  2. Gostaria que tivessem em atenção – já que estamos nas comemorações da Guerra Civil de Espanha -que tomassem em consideração o meu livro PRIMEIRA LINHA DE FOGO: Da Guerra Civil de Espanha aos campos de extermínio nazis (Bertrand Editora). É o balanço da minha actividade de duas dezenas de anos a estudar não só histórias por contar sobre esse conflito, como também o seguir de republicanos espanhois que colaboraram em França nos maquis antinazis,alguns deles acabaram nos campos de concentração de Dachau e Mauthausen.

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