“Felizmente o assombro passou. Hoje, o Sr. Dr. Antão de Vasconcelos tranquiliza os leitores da Gazeta demonstrando que não se pode ainda verificar se o cometa de Halley contém aqueles tóxicos violentíssimos de que falou o estudioso. Tirou-nos o ilustre cientista um grande peso da alma. Seria profundamente lamentável que ficássemos, assim de súbito, com o nosso futuro trancado, o nosso progresso interrompido”.
Assim escreveu A Notícia, do Rio de Janeiro, na edição de 17 de dezembro de 1909.
Entre 1909 e 1910, pessoas em todo o mundo viveram alguns meses de pânico e histeria injustificada, tudo isso devido à nova passagem do cometa Halley, previsto para maio de 1910. Em fevereiro de 1910, jornais da Europa e dos Estados Unidos noticiaram que o famoso astrônomo francês Camille Flammarion afirmara que o gás cianogênio presente na cauda do cometa iria impregnar a atmosfera da Terra e provavelmente extinguir toda a vida nela – algo que Flamarion negou mais tarde. Não tardou para que essa notícia desse origem a outros sensacionalismos relacionados ao fenômeno astronômico. Uma delas seria uma onde de tsunamis por todo o planeta.
A cada 76 anos, o cometa Halley se torna visível da Terra. A última vez em que ele esteve visível foi em 1986, e a próxima vez será somente em 2061. Desde tempos remotos, a passagem de cometas pelo planeta desperta curiosidade, medo e assombro, fomentando a circulação de rumores e previsões de catástrofes. Em 1909, no entanto, a coisa ganhou uma dimensão maior, e por um motivo muito simples: era a primeira vez que o Halley seria avistado em uma sociedade de massas. Além disso, não seria exagero dizer que o mundo andava à flor da pele devido a pressões (eras reais) de uma grande guerra.
A notícia dos supostos gases tóxicos do cometa se multiplicaram na imprensa de todos os países. Astrônomos eram chamados a dar entrevistas e a explicar os riscos daquela nova passagem do Halley. Como a astronomia ainda estava se profissionalizando como ciência, a falta de uma unidade na fala dos cientistas parecia, para os mais ansiosos, uma evidência do provável fim do mundo. Nos Estados Unidos, empresários oportunistas vendiam pílulas anti-cometa, máscaras de gás e guarda-chuvas protetores de cometas. Houve relatos inclusive de suicídios. Muitas igrejas realizam vigílias de oração a noite.
É claro que não havia risco. Em maio de 1910, o cometa passou e nada aconteceu. Na verdade, sua passagem foi comemorada, não exatamente pelo alívio pela integridade do planeta, mas por ser a primeira vez que a passagem do famoso cometa foi documentada por fotografia e em que se usou o espectroscópio para analisá-lo.
A Biblioteca dos Estados Unidos fez uma lista com várias reportagens publicadas na imprensa americana, entre 1909 e 1910, sobre o fim do mundo causado pelo Halley. Clique aqui para acessar essa lista e ler as reportagens (em inglês). Outra sugestão de conteúdo é o artigo “Collective Anxieties, Reader Manipulation and the 1910 Passage of Halley’s Comet in Ramón María Tenreiro’s La agonía de Madrid”, de Juan Herrero-Senés.