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Ditadura militar instituiu Tiradentes “patrono cívico da nação brasileira”

Ditadura militar instituiu Tiradentes "patrono cívico da nação brasileira" 1

Tiradentes ante o Carrasco. Obra de Rafael Falco. 1951.

Por meio da lei n º. 4.987, de 9 de novembro de 1965, sancionada pelo então presidente Humberto de Alencar Castello Branco, durante a ditadura militar, Tiradentes foi proclamado “patrono cívico da nação brasileira.”

O primeiro artigo da lei declara Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, “patrono cívico da Nação Brasileira”, enquanto que o segundo determina que forças armadas, repartições públicas, estabelecimentos de ensino e empresas públicas homenageiem “a memória deste patrono” no dia 21 de abril, “efeméride comemorativa de seu holocausto”. As festividades, de acordo ainda com a lei, seriam programadas anualmente.

Talvez o mais interessante desta lei, contudo, seja o seu artigo terceiro, que faz uma espécie de absolvição do mais famoso dos líderes da Inconfidência Mineira:

“Esta manifestação do povo e do Governo da República em homenagem ao Patrono da Nação Brasileira visa evidenciar que a sentença condenatória de Joaquim José da Silva Xavier não é labéu que lhe infame a memória, pois é reconhecida e proclamada oficialmente pelos seus concidadãos, como o mais alto título de glorificação do nosso maior compatriota de todos os tempos”.

A data fez parte de uma série de festividades de cunho cívico e nacionalistas do regime autoritário. A ideia por trás dessas ações era fomentar a celebração de uma história nacional baseada nos mitos de “grandes heróis do passado”.

Herói para a esquerda e para a direita

O uso da memória de Tiradentes para fins políticos é prática antiga. No início da República, sua imagem passou a ser comemorada pelos militares ligados ao poder, e o Dia 21 de abril, data de sua morte, foi o escolhido para a celebração cívica nacional. De acordo com a historiadora Janaína Martins Cordeiro, no livro “A Ditadura em tempos de milagre – comemorações, orgulho e consentimento”, em 1940, durante a ditadura do Estado Novo, Tiradentes foi escolhido como alferes da 6ª Companhia do Regimento dos Dragões. E em 1946, já no período democrático, o governo de Eurico Gaspar Dutra sancionou uma lei que fazia de Tiradentes “patrono da lei e da ordem”, devendo a sua luta pela independência inspirar todos que ocupassem funções na “defesa da segurança pública”. As comemorações instituídas no governo Castello Branco reforçaram ainda mais essa apropriação.

Contudo, a historiadora destaca que as direitas brasileiras não foram as únicas interessadas na memória de Tiradentes. Setores da esquerda, curiosamente, também fizeram a sua leitura política do mito, mas ao invés de ressaltar a figura do alferes, o que sobressaia nas representações da esquerda era a figura do revolucionário.

“Nos anos 1960 (…) as esquerdas revolucionárias e as vanguardas artísticas tenderam a valorizar o espírito de sacrifício de Tiradentes a partir de uma leitura revolucionária de suas ideias, sua prisão, seu comportamento na cadeia e sua morte, em suma de seu martírio. Não é à toa que nesse período surgiu uma organização de esquerda armada revolucionária que levava o seu nome, o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT). Peças teatrais como Arena conta Tiradentes, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri (1967), além do próprio filme de Joaquim Pedro de Andrade, Os Inconfidentes (1972) (….) não escapam, de certo modo, a essa recuperação que as esquerdas fizeram do Tiradentes revolucionário”, escreve Cordeiro.

Celebrações esvaziadas pela pandemia

Este ano, devido ao agravamento da pandemia no Brasil, as tradicionais homenagens a Tiradentes realizadas na cidade mineira de Ouro Preto serão simbólicas e sem público. Segundo o jornal Estado de Minas, será colocada uma coroa de flores no monumento a Tiradentes, um corneteiro da Banda Sinfônica do Corpo de Bombeiros Militar vai performar um toque de silêncio e será acendido, como de costume, o fogo simbólico da Pira da Liberdade, localizado na Praça Tiradentes. 

Atualizado em 25 de abril de 2021, 17h18.

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