“Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa”: a comunidade contra o falso progresso

"Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa" expande o universo da Turma da Monica, e sabe o que está fazendo. Sorte a nossa.
16 de fevereiro de 2025
Personagens de "Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa", com Chibo Bento a frente, em amarelo.
"Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa" expando o universo de Turma da Monica.

O ano mal começou, mas nós já podemos dizer que “Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa” é um dos melhores filmes de 2025 para as crianças e pré-adolescentes. Se você tem filhos entre 4 e 10 anos, corra para o cinema, porque o filme continua em cartaz em algumas salas do Brasil. Ele tem 1h30, classificação livre e os pais vão gostar também.

A trama acompanha Chico Bento (Isaac Amendoim) em sua rotina tranquila na Vila Abobrinha. Apaixonado por goiabas, ele tem uma ligação especial com a goiabeira do Nhô Lau (Luis Lobianco), que mora na sua região e é pouco ranzinza. A paz de Chico é ameaçada quando Dotô Agripino (Augusto Madeira) anuncia a construção de uma estrada que atravessará a vila, colocando em risco a árvore querida. Determinado a salvá-la, Chico une seus amigos — Zé Lelé, Rosinha, Hiro, Tábata e Zé da Roça — para lutar contra o projeto e proteger a comunidade. 

“Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa” é uma adaptação HQ da clássica série de quadrinhos criada por Mauricio de Sousa (que agora aparece nos filmes de fininho, à moda Stan Lee). Fernando Fraiha, que também dirigiu o ótimo “Turma da Mônica: Laços” (2021), é o direto.

“Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa”: muitos acertos

“Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa” é um filme sem apelação, sem enrolação, que respeita o imaginário infantil e o de Maurício de Sousa, fazendo as adaptações necessárias de forma inteligente. Já são duas ou três gerações de crianças que cresceram lendo essas histórias de Maurício de Souza. Agora, a nova geração tem a oportunidade que nenhuma outra teve: ver bons filmes deste universo lúdico nas telas de cinema.

De todos os personagens de Turma da Monica, Chico Bento talvez seja o que mais tenha a ver com o Brasil. Um menino simples, pobre e morador do campo. A escolha de Isaac Amendoim foi muito acertada. O ator é muito talentoso e conseguiu levar para as telas tudo o que a gente quer ver. Mas não é só isso que faz com que o filme seja ótimo. A narrativa é oxigenada com partes de animação e da realidade paralela da cabeça do Chico Bento. Essa combinação dá muita agilidade para o filme.

Outros filmes já falaram sobre o impacto da modernidade em comunidades tradicionais, como “Narradores de Javé” (2004), de Eliane Caffé, que considero um dos cinco melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Em “Narradores de Javé” uma comunidade do sertão recebe a notícia de que a sua cidade irá desparecer para dar lugar a uma represa. É um ótimo debate sobre memória, tradição, história e modernidade.

Mas em “Chico Bento” existe um ganho. Se no filme de Caffé, a modernidade era uma vilã de fato, passando como um trator por cima da comunidade, que tenta resistir às mudanças, em “Chico Bento” o argumento não é modernidade contra tradição.

A estrada que querem construir em cima da goiabeira é um falso progresso, um engodo, um golpe. A comunidade deseja que parte de sua vida seja modernidade: eles precisam mesmo de uma estrada. Mas o que é oferecido é outra coisa. São especuladores que querem se aproveitar de uma demanda legítima do povo a fim de lucrar. Essa mensagem é muito legal.

Poucos deslizes

Chico Bento não tira nota por três deslizes. O primeiro: os adultos do campo são representados de forma muito caricata e estereotipada. São pessoas bobocas, ingênuas e unidimensionais. Caem em contos do vigário, não têm instrução e não conseguem ver a maldade nos outros. Precisam ser alertados por crianças quanto ao perigo que estão correndo.

Há ainda outros dois pontos que poderiam melhorar. O primeiro é o personagem Nho Lau, interpretado por Luis Lobianco. No início do filme (e no trailer), ele tem grande protagonismo e parece que ele vai fazer uma boa dobradinha com Chico Bento. Mas não é isso o que acontece. O personagem meio que é desperdiçado ao apenas servir de ponte para a jornada do vilão e do herói. Uma pena, porque Lobianco é ótimo ator.

"Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa" expande o universo da Turma da Monica, e sabe o que está fazendo.
Boas atuações no filme também elevam sua nota. Foto: divulgação.

Outra coisa que poderia ser melhor: a caracterização de Zé da Roça. Ele aparece como uma versão miniatura do pai, Dotô Agripinas. Mas seria um caminho muito mais interessante se o roteiro mostrasse mais claramente como ele é apenas uma criança manipulada pelo pai.

Nada disso, porém, tira o brilho do filme, que vai levar diversão e reflexões, tanto para as crianças quanto para o público adulto. “Chico Bento e a Goiabera Maraviósa” expande o universo da Turma da Monica, e sabe o que está fazendo. Sorte a nossa. Que venham mais.

Sugestão de leitura

“Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa”: a comunidade contra o falso progresso 1

Em meados de 1950, a imprensa soltou uma bomba que chocou a opinião pública brasileira: o imigrante letão Herberts Cukurs, criador e proprietário dos pedalinhos da Lagoa Rodrigo de Freitas, cartão postal do Rio de Janeiro, havia cometido crimes de guerra durante a ocupação nazista da Letônia. Neste livro, que vai virar filme, o historiador Bruno Leal, professor da Universidade de Brasília e criador do Café História, investiga o chamado “Caso Cukurs”, desde a chegada de Cukurs no Brasil até a sua execução por agentes secretos do Mossad, de Israel. Livro disponível nas versões impressa e digital. Gosta de Segunda Guerra Mundial? Esse livro não vai deixar a desejar. Confira aqui. 

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas, justiça no pós-guerra e as duas guerras mundiais. Autor de "Quero fazer mestrado em história" (2022) e "O homem dos pedalinhos"(2021).

Livro em destaque

"Várias faces da Independência" foi destaque em 2022, ano do bicentenário da independência brasileira. Reunindo os maiores especialistas no tema, o livro consegue falar de forma didática e problematizadora sobre as batalhas, as elites, as classes subalternizadas, a cultura e muitas outras dimensões de nosso complexo processo de independência. Livro de especialistas para não-especialistas. Clique na imagem para conferir o livro.

Nossa agenda

fevereiro 2025
D S T Q Q S S
 1
2345678
9101112131415
16171819202122
232425262728  

Leia também