Casa Gucci: tom novelesco, mas primoroso e divertido

"Ridley Scott e os roteiristas Roberto Bentivegna e Becky Johnston, costuraram uma obra com a modelagem perfeita para os padrões dramáticos que marcaram os eventos em torno dessa grande dinastia do glamour."
3 de agosto de 2022
por
Casa Gucci: tom novelesco, mas primoroso e divertido 1

Não é possível falar de história da moda sem falar da marca Gucci. Assim como é impossível dissociar a marca do nome de Maurizio Gucci e do escândalo que mobilizou toda a Itália durante os anos 90 envolvendo o seu assassinato encomendado pela sua ex-mulher Patrizia Reggiani. A base usada para o roteiro foi o livro House Of Gucci (2001) escrito pela jornalista Sara Gay Forden.

O famoso império italiano começou a ser construído nos anos 20, após o fim da primeira guerra mundial, pelo italiano Guccio Gucci. Guccio, nascido em 1881, era filho de camponeses artesãos que confeccionavam chapéus de palha. Segundo a família Gucci, seus antepassados ocupavam a região da Toscana desde meados do século XIII. Em Florença, portanto, os Gucci se encontravam em casa. Mas o caminho até a fama mundial da empresa, hoje avaliada em mais de 9 bilhões de euros, iniciou com Guccio abandonando a Itália e arranjando um emprego de carregador de bagagens no chique Hotel Savoy de London, onde aprendeu a apreciar malas, valises e bolsas de couro e camurça da clientela requintada. Ao voltar para casa em 1921, Guccio abriu seu próprio negócio, primeiro revendendo artigos de couro e depois, junto a seus artesãos que trabalhavam em uma oficina de consertos atrás da loja, desenvolvendo sua própria linha de malas e valises feitas a mão que logo começaram a ser bastante requisitadas. Em pouco tempo Gucci já era um nome conhecido e com diversas lojas na Itália. O auge da fama da casa ocorreu nas décadas de 50 e 60, onde o glamour de suas peças adornavam celebridades como Grace Kelly e Jackie Kennedy. Nessa época os negócios de Guccio já eram comandados pelos seus filhos Aldo, Vasco e Rodolfo. Aldo começou a trabalhar desde cedo com o pai, e era, entre os filhos, o que mais sabia negociar, já Rodolfo era ator, e usando o nome artístico de Maurizio D’Ancora participou de várias produções italianas nos anos 30 e 40. Em uma delas conheceu sua esposa Sandra Ravel, com quem teve seu único filho – Maurizio.

E é na fase adulta da terceira geração dos Gucci que o filme inicia, já durante uma etapa de decadência da marca nos anos 70. Aldo (Al Pacino) comanda os negócios da família e foi o responsável pela expansão internacional da casa Gucci, seu filho, Paolo (Jared Leto), considerado pelo próprio pai “um idiota”, era chef designer da marca e chegou até a posição de vice-presidente no final dos anos 70. Seu irmão, Rodolfo (Jeremy Irons), já era mais recluso e retirado dos negócios, sua aposta para o futuro dos Gucci era o filho Maurizio (Adam Driver) que estudava direito e, por ter perdido a mãe muito cedo, cresceu superprotegido. Maurizio era um jovem tímido, apesar de muito ambicioso, e foi em uma festa da high Society italiana que ele conheceu a extrovertida Patrizia Reggiani (Lady Gaga). Patrizia, apesar de ser uma socialite, não fazia parte do círculo das famílias ricas e conhecidas de Florença. Ela disfrutava de um relativo conforto financeiro graças a seu padrasto, o dono de uma frota de caminhões. A mãe de Patrizia sempre almejou destaque social, e incentivava a filha em suas empreitadas entre os ricos e famosos. Rapidamente o encontro “casual” entre Patrizia e Maurizio evoluiu para um namoro que foi enfaticamente boicotado por Rodolfo. Para ele, a jovem sem pedigree não era a esposa ideal que imaginava para seu filho. Mesmo assim eles acabam casando e Rodolfo deserda Maurizio.

E nesse momento começam as conhecidas batalhas por poder entre os Gucci, principalmente quando Patrizia ganha a confiança de Aldo, e usa a influência que exerce sobre o tio do marido para trazer Maurizio de volta para os negócios da família. Nas décadas seguintes as brigas judiciais intermináveis pelo controle da empresa, prisões por fraude e sonegação de impostos, traições e os revezes pessoais do clã passam a estampar as páginas dos tabloides italianos. E toda a tensão culmina com o assassinato de Maurizio em março de 1995 e a prisão de Patrizia em 1997.

Ridley Scott reconheceu o potencial camp desse drama italiano, e nos faz sentir isso em sua direção. Os figurinos, as maquiagens, os cenários, são over the top. Temos uma Lady Gaga impecavelmente bronzeada, coberta de ouro da cabeça aos pés e abusando de várias camadas de maquiagem em tons pasteis, um contraponto ao discreto estilo de Maurizio, o representante nato de uma Gucci luxuosa, tradicional e aristocrática. O filme não poupa em recursos para mostrar os diferentes mundos de que ambos vêm. Maurizio parece viver em estado de constante constrangimento causado pelas atitudes erráticas de Patrizia e por sua falta de “berço”. Adam Driver incorpora bem o misto de introvertido e arrogante de Maurizio, e Lady Gaga está perfeita no papel caricato da italiana sensual e extrovertida sem papas na língua. Seja sob o escaldante sol do verão italiano em Florença, numa penthouse chique em Manhattan ou numa Saint Moritz coberta por neve. Tudo nessa obra é superlativo, é ostentação, propositalmente. Em alguns momentos nos sentimos como se estivéssemos dentro de uma produção de Ryan Murphy (American Horror Story) tão grande é o abuso dos estereótipos e o tom ácido de comédia de uma narrativa que consegue ser mais bizarra em sua linha do tempo real do que representada na ficção. Jaret Leto está irreconhecível no papel de Paolo, filho de Aldo, e nesse caso em especial o exagero interpretativo, que já depôs contra ele em outros de seus papeis, é muito bem-vindo. A cereja do bolo fica por conta da atuação de Al Pacino como Aldo, onde referencias a Scarface The Godfather são impossíveis de serem ignoradas, em especial na cena em que Aldo abraça Paolo, após esse ter traído a sua confiança.

House of Gucci estreou mundialmente em novembro de 2021 e arrecadou avaliações medianas, tanto do público quanto da crítica e, claro, recebeu uma notinha de repúdio da representação oficial dos Guccis por “mostrar apenas um lado da história”. Mesmo assim, a reação negativa do clã não resultou, ao contrário de outras biopics não autorizadas, em qualquer tipo de processo judicial. Apesar do tom novelesco, e do overactingHouse of Gucci é uma obra primorosa e divertida. É um desfile de moda ao som de hits pop da passarela oitentista. É uma roupa de festa de lamê dourado, uma bolsa do mais fino couro feita à mão. É um exercício de contrastes entre as naturezas das famílias italianas. É boa revista de fofocas recheada de escândalos. É uma tragédia marcada pela leveza de quem prefere as aparências à profundidade. Ridley Scott e os roteiristas Roberto Bentivegna e Becky Johnston, costuraram uma obra com a modelagem perfeita para os padrões dramáticos que marcaram os eventos em torno dessa grande dinastia do glamour.

Tais Zago

Tem 46 anos. É gaúcha que morou quase a metade da vida na Alemanha mas retornou a Porto Alegre. Se formou em Design e fez metade do curso de Artes Plásticas na UFRGS, trabalha com TI mas é apaixonada por cinema.

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

Don't Miss