“Campos especiais”: a reutilização dos campos de concentração nazistas

Poucos sabem, mas as autoridades soviéticas reutilizaram vários campos de concentração e extermínio nazistas após a Segunda Guerra Mundial. Eram os chamados “Campos Especiais”.
23 de outubro de 2017

Uma das temáticas mais sensíveis relacionadas à participação alemã na Segunda Guerra Mundial diz respeito aos Campos de Concentração e Extermínio. Como sabemos, esses campos foram locais de confinamento e execução de milhões de pessoas inocentes. O que poucos sabem, contudo, é que muitos desses campos foram usados pelos soviéticos, no imediato pós-guerra, para outros fins que não o atendimento dos antigos detentos em recuperação. Esses “novos” campos ficaram conhecidos como Campos Especiais.

Ainda no ano de 1945 a União Soviética (URSS), através de seu Ministério do Interior, instalou no leste da Alemanha diversos Campos Especiais. Eles foram usados principalmente para a realização dos processos de “desnazificação”. Neles, os suspeitos eram colocados em isolamento perante o restante da sociedade e pouco sabiam sobre o motivo de suas prisões: na maioria dos casos lhes era explicado que enfrentariam os julgamentos perante a justiça soviética e que teriam de aguardar os trâmites dos processos em reclusão.

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O Campo de Sachsenhausen atualmente: local abriga enorme museu onde antes era um campo de concentração. Foto: Bruno Leal

Não foram poucos os casos em que, buscando confissões, as autoridades soviéticas permitiam agressões físicas e torturas contra os acusados. Além de prisioneiros supostamente ligados ao nacional-socialismo, os Campos Especiais ainda serviam como locais de confinamento de cidadãos soviéticos que haviam sido prisioneiros durante a guerra na Alemanha e aguardavam o retorno à URSS. Segundo a autora Anne Kaminsky, foram criados 11 Campos Especiais pelos soviéticos, que os instalaram exatamente nos mesmos locais onde, até pouco tempo antes, existiam Campos de Concentração e Extermínio nazistas. Eram espaços com uma infraestrutura prisional já pronta e isolados dos grandes centros urbanos, características fundamentais para se realizar a limpeza de milhares de “pessoas perigosas”.

Os prisioneiros dos Campos Especiais praticamente não tinham contato com o mundo exterior. Seus familiares ou quaisquer outras pessoas que buscavam por notícias dos detentos raramente tinham êxito. As condições de vida nesses campos eram difíceis, pois, numa época em que havia grande escassez de itens básicos de sobrevivência por toda a Alemanha, pouco restava para a manutenção de prisioneiros. Segundo o testemunho de um médico judeu sobrevivente dado à Kaminsky, “as condições de vida no campo soviético furam muito piores que no campo de concentração”. Outra testemunha desse período, também antiga prisioneira no Campo Especial de Sachsenhausen e também em depoimento à Kaminsky, afirmou ter sido violentada em diversas ocasiões, além de ter sido ameaçada de morte por soldados soviéticos durante seu período de cárcere, entre o final de 1945 e 1950.

Alguns Campos Especiais, devido a sua subordinação ao Ministério do Interior soviético, eram administrados diretamente por um de seus órgãos mais temíveis, a Polícia Secreta da URSS (NKVD). No entanto, com o advento da fundação da socialista República Democrática Alemã (RDA), no final da década de 1940, o NKVD passou a desativar gradativamente as instalações dos Campos Especiais, colocando os prisioneiros que ainda restavam sob a jurisdição do novo país. Os últimos campos do tipo cessaram suas atividades em meados de 1950 e, durante a existência da RDA, poucas vezes tiveram suas ações analisadas. Somente após a reunificação alemã, estudiosos puderam ter maior acesso às informações referentes aos Campos Especiais. Entretanto, a maioria dos arquivos referentes a esses locais ou já havia sido destruída, ou ainda está em posse atualmente de instituições russas, que dificultam quaisquer tipos de pesquisas mais profundas em seus documentos.

Nos dias de hoje, o tema ainda é pouco enfrentado na Alemanha. Não só pela sociedade, mas pelas próprias instituições de memória. O Campo Especial de Sachsenhausen, localizado nas proximidades de Berlim, utilizado durante anos pelos nazistas, é um exemplo da maneira como o tema vem sendo tratado no país. Enquanto o site oficial do Memorial Sachsenhausen afirma que nas dependências de seu Campo Especial ocorreram poucos abusos contra os detentos, relatos de sobreviventes desse mesmo Campo afirmam categoricamente que sofreram uma miríade de agressões, além de terem presenciado a morte de inúmeros prisioneiros. As razões deste silêncio? Somente futuras análises e estudos historiográficos poderão dizer exatamente.

Referências

BESSEL, Richard. Alemanha 1945: Da guerra a paz. Tradução de Berilo Vargas. 1ª Edição. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2010.

BURUMA, Ian. Ano Zero: Uma história de 1945. São Paulo. Editora Companhia das Letras, 2015.

KAMINSKY, Anne. Campos soviéticos en Alemania, 1945-1950: Museos Memoriales. Revista Historia, Antropología Y Fuentes Orales, Barcelona, Espanha, nº 20, 1998, pp.105-113.

KITCHEN, Martin. História da Alemanha Moderna: de 1800 aos dias atuais. São Paulo. Editora Cultrix, 2013.

Como citar esse artigo

HADDAD, Rafael. “Campos especiais”: a reutilização dos campos nazistas. (Artigo). In: Café História – história feita com cliques. Disponível em: . Publicado em: https://www.cafehistoria.com.br/campos-especiais-sovietivos/. 23 set 2017. Acesso: [informar data].

Rafael Haddad

Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Graduado em Bacharelado e Licenciatura em História pela Universidade Federal Fluminense (2014). Membro do Centro de Memória da Extensão da Universidade Federal Fluminense (CEMEX-UFF), da Pró Reitoria de Extensão da Universidade Federal Fluminense (PROEX-UFF). Sua monografia intitulou-se “O Bombardeio de Dresden, 1945: uma análise bibliográfica”. No mestrado, sua dissertação, sob orientação do Prof.Dr. Bernardo Kosher, tem o título provisório de “Memória e Representações da Segunda Guerra Mundial em Museus e Memoriais Alemães (1950-2014)”.

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