Baseado no livro de 1999 de mesmo nome da autora Joyce Carol Oates, Blonde é uma obra semi ficcional sobre a carreira, a vida e as teorias de conspiração que rodearam a loira mais famosa do mundo, Marilyn Monroe, em sua curta, porém brilhante e meteórica, passagem por esse plano terreno.
Com roteiro e direção de Andrew Dominik, o filme já vinha dando o que falar antes mesmo da sua estréia no canal Netflix no último dia 28 de setembro. Andrew, em parte, foi responsável por um backlash significativo vindo dos fãs por causa de afirmações consideradas de cunho misógino sobre a deusa do cinema. Existe a possibilidade se ter sido mal interpretado – eu entendi que ele defendeu a diferença entre a imagem real e a persona de uma atriz, assim como somos diferentes da vida quase perfeita que colocamos no Instagram. No seu currículo, o diretor tem episódios da série “Mindhunter”, filmes com Brad Pitt e a biopic de Nick Cave, “This Much I Know to Be True” (2022), sobre a gravação de seus dois últimos álbuns. No caso não é um novato, mas seu foco era mais direcionado a histórias masculinas.
A primeira coisa a se reconhecer ao assistir Blonde é a força da natureza que é a jovem atriz cubana Ana de Armas. O filme é ela, e ela é Marilyn. Pra quem se acostumou a ver Ana como coadjuvante em filmes de ação como em “James Bond-No Time to Die” (2021) ou em suspenses como “Knock,Lnock” (2015), ainda não tinha sido agraciado com a amplitude do seu espectro artístico. Marilyn, principalmente a longe das cameras, exige de Ana cada fibra de seu corpo, cada emoção que possa ser resgatada e despejada no carrossel sob holofotes em que Monroe viveu.
Artística e esteticamente impecável, Blonde é um incrível experiência visual que nos carrega pelos highs e lows de uma industria audiovisual onde mulheres eram tratadas como meros pedaços de carne a serem leiloados para o maior pagador. Blonde sua misoginia e masculinidade toxica por todos seus poros. É, por vezes, um experiência quase intragável para nós mulheres, que em menor ou maior intensidade, já entramos em contato com o desejo masculino de nos subjulgar, dominar e diminuir.
E nada disso nos é poupado aqui. Nem são feitas concessões a presidentes ou diretores de grandes estúdios. Nem a família, os ex-maridos ou até mesmo os que se consideravam amigos próximos escaparam da crítica. Todo mundo queria um pedaço de Monroe. E lhe arrancavam esses pedaços à dentadas sem a menor cerimônia ou constrangimento. Por fim, nem mesmo um muito obrigado.
Marilyn é mostrada como vítima de um sistema inflitrado por predadores, sádicos e narcisistas. Mesmo com a liberdade criativa (e algumas vezes exploitativa) é impossível imaginar que sua vida tenha sido muito distante dessa triste ficção. Alguns acusaram a produção de exagerar na violência e nas representações.
O filme vai do obceno ao revoltante em apenas alguns takes. Porém vejo aqui a poesia que alguns parecem ignorar – para quem passa pelo sofrimento a dor sempre é maior do que a dor que pessoas ao redor acreditam enxergar. O mundo interior de Marilyn era muito mais torturante e desesperador do que as situações às quais foi submetida na sua carreira em uma época onde abusos eram frequentes e banalizados.
Os olhos de Ana falavam muito, talvez tudo aquilo que a própria Marilyn soterrava sob montanhas de comprimidos para manter a aparência sempre alegre e sexy. Marilyn e Norma Jean eram duas pessoas completamente diferentes, no final, e infelizmente, também codependentes. Nutria uma relação altamente tóxica consigo mesma, o que,no final, acabou por extinguir, prematuramente, a estrela mais brilhante no céu de Hollywood.