Seis livros clássicos para entender a História Econômica do Brasil

Uma bibliografia comentada para quem precisa ou quer entender melhor a história econômica brasileira, mas não sabe por onde começar. Clássicos de História e Economia que vão do período colonial ao final do século 20.
3 de junho de 2024
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Brasil teve muitas moedas, muitos planos econômicos e sonhou com diversos futuros. Foto: Pixaby,

A maioria da população brasileira cresceu ouvindo falar em crise econômica e todos os dias é bombardeada com uma série de informações sobre o tema. O dilema, entretanto, permanece: como saber o básico sobre história econômica no meio de tanto conteúdo?

A economia, assim como a política, faz parte da nossa vida, gostemos ou não. Do pãozinho no café da manhã à passagem do trem que nos leva de volta para casa, tudo está em um contexto econômico que faz parte da nossa história. Como professora, sempre ouço alguém na turma dizer que não gosta de história econômica, mas até que ela está ajudando a entender outros assuntos. Ao que respondo que também não é o meu assunto favorito da vida, mas desde que ingressei na universidade há mais de vinte anos (millenials do mundo, uni-vos!) e decidi me especializar em história do Brasil colonial, cá estou eu, às voltas com história econômica.

Para quem precisa ou quer entender melhor a história econômica brasileira, mas não faz ideia de por onde começar, selecionei seis clássicos que podem ajudar. O clássico merece essa denominação não por ser perfeito, mas porque segue relevante de geração em geração devido aos debates que suscita. Longe de esgotar o tema, as obras aqui listadas evidenciam algumas das principais características da nossa história econômica, dentre elas, a dependência. Esta, em maior ou menor grau, parece mudar de forma, mas não de essência. Em que pese os vários momentos durante os quais a nossa economia se desenvolveu de forma mais ou menos autônoma, inclusive no período colonial, parece haver um fio, que se não necessariamente nos puxa para trás, não permite o avanço completo. Que fio é esse, como vive, de que se alimenta?

Buscar respostas para essas perguntas é essencial para superar a “síndrome de Gabriela” que parece nos assolar. Em outras palavras, não se trata de culpar a história, menos ainda de nela buscar motivos para perpetuar a ideia do “eu nasci assim, eu cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim”. Pelo contrário, a ideia é compreender as diversas razões pelas quais chegamos aqui de modo a formar um diagnóstico honesto que nos permita assumir a responsabilidade de buscar soluções para a mudança. Sem mais delongas, vamos à lista.

Formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado Jr.

Embora também fale sobre povoamento, assim como vida social e política, as partes mais relevantes desta obra clássica do intelectual Caio Prado Jr. são aquelas sobre o sentido da colonização e da vida material. Da grande lavoura, passando por mineração e pecuária às artes e indústrias, o livro é uma referência para buscar informações básicas. O sentido da colonização é, provavelmente, o que o torna tanto mais conhecido quanto criticado, pois parte de uma visão um tanto quanto teleológica, ou seja, de quem analisa o passado a partir do presente como se tudo o que aconteceu só pudesse levar a um resultado.

Prado Jr. afirma que as colônias tropicais, incluindo o Brasil, nasceram com apenas uma função: abastecer o mercado europeu de produtos primários e aí está a origem do nosso subdesenvolvimento. Da grande lavoura as vias de comunicação, passando pela mineração, pecuária e extrativismo, toda a nossa economia teria se desenvolvido em função de alimentar o mercado europeu. Apesar do determinismo da tese, há muito já rebatido pelos historiadores que provaram a existência de um mercado interno relativamente autônomo, uma leitura atenta da parte sobre agricultura de subsistência, por exemplo, mostra que o próprio Caio Prado Jr. não negava a existência de um mercado interno. Entretanto, qualquer iniciativa mais ou menos autônoma sempre esbarraria nos interesses externos em detrimento dos internos. Formação do Brasil Contemporâneo sintetiza as principais atividades econômicas do Brasil colonial e segue sendo uma obra fundamental na história econômica brasileira.

Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808), Fernando Novais

Ao analisar a crise do sistema colonial em finais do século XVIII (que levaram aos movimentos de independência na América Latina), o historiador Fernando Novais se ocupa não apenas de política e sociedade, mas muito de economia. O professor aposentado da USP explica o colonialismo como sistema, ou seja, um conjunto de elementos concretos e claramente identificáveis que o diferenciam de qualquer outro tipo de organização socioeconômica. Lembram daquela estrutura clássica que estudamos na escola composta por mercantilismo, pacto colonial e tráfico negreiro? Pois bem, o responsável por essa sistematização para fins de análise e estudo foi Fernando Novais. Embora também reconheça a existência de uma economia de subsistência com intermediários relativamente independentes, Novais não doura a pílula e afirma que o exclusivo metropolitano, juntamente com a escravização de africanos, foram os dois grandes pilares que possibilitaram a acumulação primitiva de capitais para os países europeus. Em outras palavras, aprofundando a linha de Cario Prado Jr., o sentido da colonização do Brasil por Portugal foi manter uma economia exportadora de recursos primários e exploração de mão-de-obra barata que gerou um lucro altíssimo e uma quantidade tão grande de excedentes que possibilitou a expansão do mercado interno não apenas de Portugal, mas de outras potências europeias tais como Inglaterra. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808) é um clássico em sua essência e segue sendo uma das obras mais completas para entender como o capitalismo mercantil possibilitou o desenvolvimento do capitalismo industrial sem os quais o capitalismo financeiro rentista atual jamais seria possível.

História Econômica do Brasil (1500-1820), Roberto Simonsen

Este livro é um manual para quem deseja ter uma visão bem ampla da história econômica brasileira até as vésperas da independência. Como todo manual, ele padece de generalizações, além de analisar a escravidão, tanto indígena quanto africana, de um modo equivocadamente teleológico e eurocêntrico, embora reconheça a crueldade da prática. Entretanto, é particularmente interessante o modo como refuta a tese de feudalismo no Brasil.

Para Simonsen, desde as feitorias e capitanias hereditárias o objetivo dos portugueses era, claramente, o lucro, inserindo a colonização nos primeiros estágios do capitalismo. São particularmente interessantes os capítulos sobre pecuária e o extrativismo na Amazônia, uma vez que os estudos sobre o período colonial tendem a privilegiar a economia açucareira e mineradora. Além disso, ele destaca outras atividades como tabaco, algodão, mandioca, arroz, café e até baunilha. É interessante notar que o livro conta com bastantes citações e reproduções de fontes históricas. História Econômica do Brasil (1500-1820) é um bom ponto de partida para estudar história econômica brasileira por analisar os principais ciclos da nossa economia de maneira surpreendentemente detalhada para uma obra tão extensa.

A Crise do Milagre, Paul Singer

O economista Paul Singer faz nessa coletânea de nove ensaios escritos entre 1972 e 1975 uma análise do período conhecido como “milagre econômico” durante a ditadura militar no Brasil. Testemunha do auge e do início do declínio econômico do período, Singer aponta como, entre 1968 e 1973, a economia brasileira experimentou um momento de alto crescimento, industrialização e baixa inflação inegável. Porém, ele argumenta que o santo responsável pelo milagre foi menos o regime político do que a conjuntura da época, ao passo que as soluções para a crise que se avizinhava dependeriam de uma mudança interna de política econômica. Além disso, Singer chama atenção para o fato que as tensões sociais não desaparecem apenas porque a economia vai bem, sobretudo se a maioria da população continua sem acesso aos resultados de um crescimento que aprofunda as desigualdades entres os trabalhadores divididos em “qualificados” e “não qualificados”.

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O livro do historiador Bruno Leal, professor da Universidade de Brasília, é destaque na categoria “historiografia” e “ensino e estudo”da Amazon Brasil. Livro disponível para leitura no computador, no celular, no tablet ou Kindle. Mais de 60 avaliações positivas de leitores.

A primeira parte do livro, composta de três ensaios, é a mais extensa e, por adotar uma perspectiva histórica, não se limita ao governo dos militares, analisando também Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. A segunda parte, mais conjuntural e técnica, analisa exclusivamente a economia durante o período da ditadura, além de trazer um ensaio sobre o Chile. Vale muito a pena recorrer ao livro A Crise do Milagre caso o seu interesse seja compreender melhor o “milagre econômico” brasileiro de uma forma crítica e longe do “fla-flu” que parece tomar conta do tema atualmente.

O Capitalismo Dependente Latino-Americano, Vânia Bambirra

Antes de comentar a obra em si, cabe uma breve explicação sobre a Teoria da Dependência. Popular entre 1950 e 1980, essa teoria afirma que a relação entre o centro (países desenvolvidos) e a periferia (países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento) ocorre por uma dependência político-econômica estrutural condicionada por fatores externos e internos. Tal dependência não seria uma simples fase a ser superada, pois as condições históricas que permitiram o desenvolvimento das economias centrais em detrimento das periféricas não se repetirão. A solução para esse impasse divide os teóricos da dependência entre os que afirmam ser possível um “desenvolvimento dentro do subdesenvolvimento” e aqueles que acreditam não haver solução para a dependência dentro do capitalismo, pois apenas o rompimento desse sistema mudaria a estrutura desigual de desenvolvimento. Dentro desse último grupo, temos a cientista política Vânia Bambirra, uma das maiores representantes da teoria marxista da dependência no Brasil, juntamente com Ruy Mauro Marini e Theotonio dos Santos.

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Presidente John F. Kennedy encontra-se com Dr. Celso Furtado, diretor do governo britânico para o desenvolvimento do nordeste brasileiro em 14 de julho de 1961. (Foto: Casa Branca)

Bambirra criou um modelo de análise pós-1945 que divide os países latino-americanos em dois grupos: 1. Países como o Brasil, onde predomina um modelo primário exportador, mas há uma indústria em expansão; 2. Países onde também domina o setor primário exportador, mas cujas indústrias são artesanais. Nos países pertencentes ao primeiro grupo, existe um mercado interno capaz de aproveitar as conjunturas de crise internacional para implementar um modelo de substituição de exportações que promove o desenvolvimento industrial nacional. Assim, passamos de uma economia colonial-exportadora para outra dependente capitalista-industrial sem que haja, entretanto, uma mudança na relação de dependência.

Segundo Bambirra, isso ocorre porque há uma desnacionalização do processo produtivo, já que mesmo nos casos em que o Estado controla setores infraestruturais, estes não competem com o capital estrangeiro, ao contrário, favorecem o seu funcionamento. Do mesmo modo, persiste o modelo agrário monopolista, a superexploração do mercado interno, o inchaço no setor de serviços e, consequentemente, o desemprego. Independentemente da eficácia das soluções propostas por Vânia Bambirra e apesar do declínio de popularidade da Teoria da Dependência, O Capitalismo Dependente Latino-Americano segue sendo uma obra essencial para melhor compreender a história econômica brasileira dentro do contexto latino-americano, um mérito numa cultura acadêmica que geralmente privilegia comparações com a Europas e os Estados Unidos.

Economia Brasileira. Uma Introdução Crítica, Luiz Carlos Bresser Pereira

A periodização adotada pelo economista Bresser Pereira nesse livro é um pouco diferente das tradicionais, pois ele divide a história econômica brasileira em dois grandes períodos: 1. Mercantil (até 1930); 2; industrial (a partir de 1930). O período mercantil, por sua vez, é subdividido em a. fase colonial, com ênfase nos ciclos açucareiro e minerador e b. Fase primário exportadora, marcada pela economia cafeeira. Já o período industrial é composto pelas fases a. da revolução industrial brasileira (1930 a 1960) e b. do subdesenvolvimento industrializado (1960 a 1980). Dependendo da edição, você também encontrará reflexões sobre o Plano Real (1994).

Alinhado às conclusões que nos leva a leitura de Caio Prado Jr., Bresser Pereira afirma que as origens do subdesenvolvimento brasileiro estariam na fase colonial e na manutenção de uma classe dominante subordinada aos interesses externos, mais preocupada em lucrar mediante exploração do que em progresso técnico e social. Hoje em dia, o termo subdesenvolvido é considerado ofensivo, mas Bresser Pereira o utiliza para caracterizar uma economia de baixa produtividade e grandes desigualdades sociais. Entretanto, a maior parte do livro não se dedica ao período colonial ou às teorias de subdesenvolvimento, mas sim às diferentes fases de industrialização. Um dos seus grandes méritos é analisar grandes tópicos que perpassam diferentes governos. Assim, se o que você busca é uma análise separada da Era Vargas, de Juscelino Kubitschek ou da ditadura militar, não é aqui que deve buscar. Mas, se deseja saber mais sobre “capitalismo estatal”, por exemplo, irá encontrar como ele se desenvolveu durante o varguismo e o período militar.  Em geral, bem didático, Economia Brasileira. Uma Introdução Crítica também atende a um público mais especializado.

Como citar essa Bibliografia Comentada

SCARATO, Luciane. Seis livros clássicos para entender a História Econômica do Brasil. (Bibliografia Comentada). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/bibliografia-comentada-historia-economica-do-brasil/. Publicado em 3 jun. de 2024. ISSN: 2674-5917.

Luciane Scarato

Doutora em História pela Universidade de Cambridge e pós-doutora pela Universidade de Minas Gerais (UFMG) e pelo Maria Sibylla Merian Centre Conviviality-Inequality in Latin America (Mecila). É autora do livro "A Pluringual History of the Portuguese Language in the Luso-Brazilian Empire". Desenvolve pesquisas sobre Brasil colonial, cultura material e história da educação.

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