Nenhuma figura foi tão predominante na política brasileira, na primeira metade do século XX, que o gaúcho de São Borja, Getúlio Vargas (1882-1954). Vargas foi presidente da República em dois momentos. O primeiro corresponde ao período 1930-1945. Ele começa com uma cadeia de eventos dramáticos que convencionou-se chamar de “Revolução de 1930”, responsável por levar Vargas ao Palácio do Catete, e termina com o fim da Segunda Guerra Mundial, quando Vargas, mesmo contrariado, deixa o poder. Entre um evento e outro, o Brasil testemunhou levantes armados, a emergência do nacionalismo e do trabalhismo, revoltas populares, duas constituições federais, conspirações de esquerda e de direita, o desenvolvimento da indústria brasileira, um golpe de estado e uma dura ditadura que violou diversos direitos humanos.
O segundo momento, por sua vez, corresponde ao período 1951-1953. Embora muito mais curto que o primeiro, não foi menos expressivo. De volta ao Catete, agora por meio do voto, Vargas viu-se envolvido em escândalos de corrupção, atentados e ameaças de golpe. Foi nesse período também que ele criou grandes empresas públicas, como a Petrobrás, e teve adversários à altura, como o jornalista Carlos Lacerda. Esse novo governo terminou com o seu suicídio e a comoção pública que a ele se seguiu.
Se você se sente um pouco perdido em meio a tantos acontecimentos, essa bibliografia pode te ajudar. Ela foi elaborada para aqueles que desejam conhecer melhor os dois governos Vargas. Adiante, indicamos a leitura de obras clássicas da historiografia, como “A invenção do trabalhismo”, de Angela de Castro Gomes, “As instituições brasileiras da era Vargas”, organizada por Maria Celina D’Araújo e “O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo”, organizada por Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves Delgado.
O livro do historiador Bruno Leal, professor da Universidade de Brasília, é destaque na categoria “historiografia” e “ensino e estudo”da Amazon Brasil. Livro disponível para leitura no computador, no celular, no tablet ou Kindle. Mais de 60 avaliações positivas de leitores.
Mas também apresentamos obras bem mais recentes, que inauguram interpretações ou exploram novas nuances do período. É o caso das coletâneas “Governo Vargas: um projeto de nação” e “Presos políticos e perseguidos estrangeiros na Era Vargas”, organizada por uma nova geração de pesquisadores, e “Imigrante ideal: O Ministério da Justiça e a entrada de estrangeiros no Brasil (1941-1945)”, do historiador Fabio Koifman, que examina a política imigratória do Estado Novo.
A produção historiográfica sobre os governos Vargas é consistente e vasta. Mas isso não significa que os historiadores esgotaram as possibilidades de análise e pesquisa sobre eles. Podemos dizer, por exemplo, que os historiadores, em geral, deram mais atenção aos aspectos políticos, econômicos e culturais do Estado Novo do que a violência por ele produzida, especialmente durante o Estado Novo (1937-1945). Por que? Talvez porque o autoritarismo da ditadura militar (1964-1985) tenha eclipsado o autoritarismo estado novista; talvez porque o trabalhismo de Vargas tenha amortizado sua brutalidade. Ainda faltam estudos que analisem a história dessa historiografia.
Um outro ponto interessante a marcar a produção dos historiadores da área diz respeito à questão da nomenclatura. A maioria dos historiadores e historiadoras, incluindo os/as especialistas no tema, costumam usar o temos “Era Vargas”, pois entendem que o período foi, de fato, um divisor de águas. Mas há pesquisadores e pesquisadoras que discordam do que chamam de “eravarguismo”. Eles alertam que a historiografia tem falado em “Era Vargas” sem levar em conta a adjetivação e a impropriedade crítica que o termo “Era” implica. Para esse grupo, a ideia de “Era” pressupõe superlativo ou, no mínimo, entusiasmo pelo período, além de gerir risco de sua monumentalização.
Nesta bibliografia comentada, você vai encontrar historiadores e historiadoras de diferentes matizes. Não existe, a priori, um certo ou errado, mas visões diferentes. E é isso que faz desta historiografia uma das mais pulsantes no país.
Não incluímos nesta lista nenhuma obra específica sobre o integralismo porque já produzimos uma bibliografia comentada exclusivamente sobre o tema.
Se antes de mergulhar nessas leituras, você quiser ler algo mais curto sobre o período Vargas, nós indicamos alguns conteúdos publicados aqui mesmo no Café História, caso dos artigos de Thiago Mourelle, de Deivison Amaral e Rafael Nascimento Gomes, todos eles pesquisadores do período.
“A invenção do trabalhismo”, de Angela de Castro Gomes. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
Nessa obra, a historiadora Angela de Castro Gomes propõe um olhar inovador para os estudos das relações da classe trabalhadora com o Estado. O período varguista é o seu principal foco de análise. Gomes afirma que para melhor compreensão desse contexto político e social faz-se necessário o estudo das lutas da classe trabalhadora ao longo dos primeiros anos da República: desde sua proclamação, em 1889 até a primeira constituição do governo Vargas, em 1934. Vale destacar que a historiadora busca romper com as análises que simplificam o período da “Era Vargas” como populista, por meio da chave interpretativa do líder carismático, capaz de manipular os interesses da classe trabalhadora. Por outro lado, a autora complexifica esse período da história brasileira com a utilização do conceito de trabalhismo. Nessa linha interpretativa, Gomes investiga os projetos do Estado para a classe trabalhadora, não pelo viés da imposição, mas pelas estratégias utilizadas pelo governo varguista a fim de construir, tanto nos sentidos materiais (promulgação de leis trabalhistas e instituição da carteira de trabalho) quantos nos sentidos simbólicos (valorização do trabalhador e condenação da vadiagem), um tipo ideal de cidadão: o “trabalhador disciplinado”.
Ao mesmo tempo em que foca seu olhar nos projetos do Estado, Gomes dedica-se também ao estudo dos interesses da classe trabalhadora em dialogar com esses projetos. A historiadora entende esses trabalhadores como sujeitos históricos que participaram ativamente dos processos de conquista de direitos trabalhistas e das próprias interações com o Estado, fosse convergindo ou divergindo dos interesses do governo.
“As instituições brasileiras da Era Vargas”, organizado por Maria Celina D’Araújo. Rio de Janeiro: Editora UERJ e Editora FGV, 1999.
Esse livro é uma coletânea que reúne artigos de sete pesquisadores especializados no período da dos governos Vargas. A obra é de especial interesse aos que iniciam os estudos a esse respeito, por seu caráter didático e pela seleção de análises diversificadas sobre a temática. Na apresentação da coletânea, a organizadora da obra, Maria Celina D’Araújo, destaca que o período varguista marcou a transição do Brasil: passamos de um país agrário para um país em um novo contexto urbano-industrial.
Cada um dos artigos foca um aspecto específico sobre os anos do governo varguista, dentre eles, o projeto econômico conhecido como nacional-desenvolvimentismo, as relações estabelecidas no período entre a cultura nacional e a intelectualidade e os anos autoritários do Estado Novo, por exemplo. A organizadora da obra enfatiza que o contexto de sua publicação, nos primeiros anos após o fim da ditadura militar, era marcado pelo clima de reflexão sobre as experiências políticas do passado, bem como a proposição de novos projetos de futuro para a democracia brasileira. Dessa forma, o livro contribui não apenas para o estudo do governo Vargas em seu contexto específico, mas também sobre suas ressignificações no presente. Ao final do livro, há uma cronologia com alguns marcos do período varguista e transcrições de cartas escritas pelo próprio Getúlio Vargas, elementos que marcam o caráter didático da obra. A obra tem download gratuito.
“O Brasil republicano, v. 2 – O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo”, organizado por Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves Delgado, Civilização Brasileira, 2007.
Esse volume da coleção “O Brasil republicano” é especialmente dedicado ao período do governo Vargas. Segundo seus organizadores, dois dos maiores conhecedores do período, a obra foi estruturada visando um público amplo, como estudantes de graduação em Ciências Sociais e estudantes do ensino médio. Essa característica está presente na linguagem didática e acessível do livro. Foram convidados estudiosos de diversificadas temáticas para compor o volume, que contém 10 artigos.
Dentre os assuntos abordados, está a Ação Integralista Brasileira, organização de cunho fascista articulada por pequenos partidos de extrema direita, legalizada até a ascensão do Estado Novo, de acordo com os autores Marcos Chor Maio e Roney Cytrynowicz. Já as relações entre o Estado e a formulação de uma nova identidade nacional a partir do Governo Vargas, voltada para a valorização da miscigenação brasileira é foco da análise de Lúcia Lippi Oliveira, no artigo “Sinais da modernidade na era Vargas: vida literária, cinema e rádio”. Segundo a autora, o mito da democracia racial, baseado na falsa harmonia entre os elementos da cultura do branco, do negro, do indígena e do mestiço, ganhou repercussão nacional nesse período. Uma das principais ferramentas de difusão dessa perspectiva pelo Estado foi a produção cultural, por meio de elementos como a música, o cinema e o esporte, por exemplo. Para quem deseja um encontro com distintas temáticas e sujeitos históricos que protagonizaram o período varguista, esse volume é um bom começo.
“Governo Vargas: um projeto de nação”, coletânea organizada por André Barbosa Fraga, Mayra Coan Lago e Thiago Cavaliere Mourelle. Rio de Janeiro: 7 letras, 2020.
Esta coletânea traz o que há de mais novo nos estudos sobre o Regime Vargas. O leitor encontrará nela 9 capítulos que passam por diferentes dimensões dos governos Vargas. É uma leitura bastante adequada para quem conhece pouco o período e está em busca de um livro que combine informações básicas com novas interpretações historiográficas. Thiago Mourelle, autor do primeiro capítulo e um dos organizadores, examina, por exemplo, os impactos da Crise de 1929 no Brasil. De acordo com o autor, existe uma ligação muito estreita entre a crise econômica global e o viés autoritário de Vargas no Palácio do Catete. “Não seria exagero afirmar que os embates em torno da situação financeira intensificaram o desgaste entre o presidente e o Poder Legislativo, o que fez Vargas apressar a busca pelo retorno à ditadura”, diz Mourelle.
Mas o livro não se fecha apenas nos aspectos políticos e econômicos do regime. Você já pensou no desenvolvimento científico brasileiro durante os anos Vargas? Se nunca leu nada a respeito, você irá gostar do texto de Yasmin Vianna Bragança, que fala sobre a “grande cruzada pela educação, saúde e higiene”. E se quiser pensar os aspectos ligados à história cultural, pode ir direito ao capítulo escrito por Mayara Coan Lago, que discute os imaginários populares sobre a família no Estado Novo”. Há ainda no livro debates sobre a constituinte, mundos do trabalho, indústria e modelos de desenvolvimento.
“Presos políticos e perseguidos estrangeiros na Era Vargas”, coletânea organizada por Marly de Almeida Gomes Vianna, Érica Sarmiento da Silva e Leandro Pereira Gonçalves. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014.
Quando pensamos em arbítrio, tortura e supressão de liberdades na história política do Brasil, pensamos imediatamente na ditadura militar (1964-1985). Embora essa associação seja plenamente justificada, ela acabou, por vezes, eclipsando o autoritarismo do Estado Novo, que também perseguiu, exilou e até matou quem as suas lideranças consideravam “inimigos da ordem e dos verdadeiros valores brasileiros”.
O livro “Presos políticos e perseguidos estrangeiros na Era Vargas” traz uma grande contribuição neste sentido, uma vez que, a partir do uso de documentação que permaneceu, durante muito tempo, interditada aos pesquisadores, caso dos arquivos do Deops/Dops, examina as diversas dimensões da repressão política, da paranoia e da xenofobia presente no Brasil de Vargas, sobretudo do Estado Novo. Seus capítulos explicam como estrangeiros, comunistas, sindicalistas, integralistas e os diversos outros grupos sociais, políticos ou ideológicos, com mais ou menos rigor, de forma mais ou menos sistematizada, foram alvo dos arroubos autoritários de Vargas.
Essa leitura, portanto, é recomendada para aqueles que desejam conhecer um pouco mais da repressão produzida durante os anos em que Vargas esteve no poder, período este em que palavras como “polícia”, “prisão”, “deportação” e “expulsão” assombraram aqueles que ousaram denunciar as injustiças, o personalismo e a violência de Vargas.
“Imigrante ideal: O Ministério da Justiça e a entrada de estrangeiros no Brasil (1941-1945)”, de Fabio Koifman. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
Durante o período em que Vargas esteve no poder, o Brasil ostentou uma política imigratória racista e restritiva. Por meio de circulares secretas que se baseavam na eugenia, no antissemitismo e no racismo, o governo brasileiro dificultou a imigração de diversos grupos populacionais e étnicos, sobretudo judeus, negros e japoneses. No caso dos judeus, perseguidos pelo nazismo na Europa, essa era uma questão de vida ou morte. “Imigrante Ideal”, de Fabio Koifman, é uma obra incontornável para quem deseja conhecer essa história. O livro examina a construção desta política imigratória racista, que ainda perduraria por algumas décadas após o fim do Estado Novo. Koifman mostra como nossas lideranças políticas estiveram empenhadas em facilitar a entrada de imigrantes brancos e católicos, pois entendiam que esse perfil era o mais adequado à “composição racial brasileira” e ao projeto de “melhoramento racial” do Brasil.
Como citar esta Bibliografia Comentada
CARVALHO, Bruno Leal Pastor de; MARQUES, Thaís Pio. Breve guia de leitura para entender o período Vargas (Bibliografia Comentada). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/bibliografia-comentada-do-periodo-vargas/. Publicado em: 19 jul. 2021. ISSN: 2674-5917.