O ataque global à academia

9 de março de 2020
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Em debate público de mesmo nome realizado no final do ano passado na London School of Economics (LSE), em Londres, estudiosos de diversos países discutiram como os acadêmicos que fogem de regimes autoritários estão buscando refúgio nas universidades ocidentais, onde a liberdade acadêmica não é mais uma garantia – ela está cada vez mais em risco.

Por Esin Düzel

Em 2019, muita gente se revoltou contra a ascensão de regimes opressivos e contra a destruição provocada pelo neoliberalismo – e, como bem vimos, os Estados têm respondido violentamente a essas insurgências globais. Nós geralmente identificamos a ascensão global do autoritarismo a partir da piora no campo dos direitos humanos, da liberdade de imprensa e da liberdade de oposição política. Em 29 de novembro, porém, um debate público intitulado “Ataque Global à Liberdade Acadêmica” reuniu um painel de estudiosos oriundos ou que vivem ou trabalham em regiões que estão na vanguarda da ascensão autoritária (China, Índia, Turquia, Egito e Reino Unido) com o intuito de discutir um aspecto menos visível deste autoritarismo: a ameaça à liberdade acadêmica.

Liberdade acadêmica tem sido tema de debates globais. Foto: Fred Kearney.
Liberdade acadêmica tem sido tema de debates globais. Foto: Fred Kearney.

Devido, provavelmente, às posições institucional e cultural privilegiadas que a academia ocupa, a deterioração das liberdades acadêmicas não atraiu até agora atenção suficiente. No entanto, esses ataques são um sinal e um primeiro passo para se atacar outras liberdades. O painel realizado no ano passado estava repleto de idéias sobre os meandros da vida acadêmica sob autoritarismo e possíveis formas de solidariedade.

Ataques semelhantes

Uma importante observação feita no evento foi a de que os ataques aos acadêmicos ocorrem de forma surpreendente semelhantes, embora no Reino Unido eles sejam um pouco mais sutis. Os Estados impõem critérios vagos que os acadêmicos devem seguir, tais como respeitar “tradições acadêmicas”, como acontece no caso do Egito, ou “estar de acordo com agendas antiterroristas”, caso do Reino Unido. Em alguns casos, como na Turquia, os pesquisadores são forçados a tomar partido dentro de uma estrutura nacionalista militarista do tipo”: “ou você está com o Estado e com a Nação ou com os terroristas”. Qualquer posição que possa ser vista como liberal, socialista, feminista ou alternativa é criminalizada, mesmo que tais posições estejam apenas nas estantes, nas obras completas de Marx e Engels ou em “Guerra e Paz” de Leo Tolstoy, como ocorreu recententemente na Índia. Portanto, não se pergunta se, mas como esses Estados autoritários imitam uns aos outros, aumentando o nível de opressão.

Morte cívica

“Morte cívica” foi o conceito que os apresentadores Seçkin Sertdemir e Esra Özyürek propuseram a fim de explicar a condição dos acadêmicos demitidos por decreto de emergência na Turquia. Após a tentativa de golpe de 15 de julho de 2016, o regime do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), liderado por Tayyip Erdoğan, promulgou vários decretos com os quais funcionários públicos considerados de oposição ou pertencentes a uma seita religiosa, os chamados Gülenists, foram sumariamente demitidos. Sertdemir e Özyürek explicam que diferente de morte civil, a morte cívica implica retirar dos acadêmicos os seus direitos civis e políticos. Isso inclui proibi-los de terem emprego no setor público, colocá-los em uma lista que os impede de trabalhar no setor privado, confiscar seus passaportes e envergonhá-los publicamente, publicando seus nomes em jornais locais, vinculando-os a histórias e manchetes escandalosas. Foi doloroso ouvir que, para escapar dessa desumanização e evitar “se tornar descartável”, alguns acadêmicos se juntaram a outras pessoas que também tentavam escapar Turquia em barcos, tornando-se, assim, refugiados. Como sabemos muito bem, esta tem sido uma linha tênue entre a vida e a morte.

Os participantes do painel em Londres. Foto: Debbie Challis, LSE Library.
Os participantes do painel em Londres. Foto: Debbie Challis, LSE Library.

Para aqueles que não podem ou optam por não deixar tais países, a situação continua terrível. Hoje, os acadêmicos que vivem sob estados autoritários violentos estão sendo submetidos à escolhas impossíveis: continuar trabalhando sob condições cada vez mais hostis e abandonar o pensamento crítico, ou abandonar a academia jogando fora anos de trabalho duro e sacrifício. Além disso, como Hyun Bang Shin enfatizou, na China há formas de opressão que são invisíveis. No país, por exemplo, os acadêmicos não são apenas investigados ​​pelo governo, mas também por estudantes que atuam como agentes do governo. Os palestrantes presentes no evento em Londres notaram um maior vigilantismo estudantil na China, Turquia, Índia e em outros lugares. E ainda na China,  os acadêmicos formados fora do país não têm acesso aos dados necessários para suas pesquisas, pois são vistos como “suspeitos” em termos de sua lealdade ao Estado.

Todos esses pesquisadores enfrentam o dilema de produzir um artigo para uma revista crítica e aprimorar sua reputação, ou publicar em uma revista menos crítica que comprometa o rigor acadêmico. Como Bang Shin colocou: “Se você é acadêmico e ativista, não tem tempo para ser prolífico”. Subir Sinha, por sua vez, explicou como, na Índia, os acadêmicos pró-governo parecem dominar o campo editorial com publicações sobre viagens espaciais que só fazem propagam fake news e falsa ciência.

O que fazer?

O que pode ser feito? A apresentação de Lori Allen sobre os limites à solidariedade acadêmica no Reino Unido apontou um elemento que parece dificultar a construção de uma solidariedade transnacional. Allen explicou que três condições no Reino Unido – a guerra neoliberal contra os pobres, a guerra contra o terror e a guerra contra a imigração – forçam os acadêmicos que residem nos locais relativamente mais privilegiados do Ocidente a engajarem-se em lutas individualizadas pela sobrevivência. Qualquer tentativa simbólica ou política de estender a solidariedade aos acadêmicos da Palestina, por exemplo, esbarra em uma ou mais das condições acadêmicas anteriormente citadas, gerando, por sua vez, mais restrições à liberdade nas instituições de ensino superior britânicas. De acordo com Sinha, estudantes muçulmanos e dalits estão sob ataque na Índia devido principalmente a essas políticas de securitização. Além disso, como Ahmed Ezzat explicou, colaborações internacionais são submetidas a triagem de segurança por esses governos, sob o disfarce de preocupações de “segurança nacional”. Nesse ambiente, os acadêmicos ficam mais distantes um do outro.

Os participantes do painel
Lori Allen – Professora Sênior em Antropologia, SOAS
Ahmed Ezzat – candidato a PhD, Cambridge e advogado de direitos humanos
Hyun Bang Shin – Diretor, Centro de Sul da Ásia Saw Swee Hock e Professor de Geografia e Estudos Urbanos, LSE
Subir Sinha – Professor Sênior, SOAS
Seçkin Sertdemir – Bolsista de Estudos Turcos Contemporâneos, Instituto Europeu, LSE
Esra Özyürek – Presidente de Estudos Turcos Contemporâneos, Instituto Europeu, LSE
Monika Krause – Professora Associada de Sociologia e Co-diretora, LSE Human Rights

Por outro lado, os participantes do encontro sublinharam que espaços como aquele painel do qual participavam na LSE e outros pequenos atos de solidariedade, tais como cuidar e respeitar um ao outro, são ainda mais importantes e urgentes neste contexto. E um aviso de Hyun Bang Shin foi particularmente importante: qualquer ato de solidariedade com nossos colegas precisa respeitar os intrincados equilíbrios que eles estão tentando manter. Em ambientes onde os acadêmicos estão tentando viver e fazer escolhas difíceis, eles podem querer permanecer invisíveis ou discretos, ao invés de agir heroicamente. As campanhas de boicote são um exemplo de exemplo frutífero, mas também um exemplo muito sensível e complexo. Não existe um caminho fácil; é preciso um grande esforço a fim de estabelecer conexões profundas e constantes com nossos colegas e, deste modo, tecer redes de solidariedade que possam nos dar algum fôlego para seguir adiante.

Esin Düzel é professora no Instituto Europeu da LSE.

Este artigo foi publicado originalmente no Blog LSE Impact, da London School of Economics com o título de “The global attack on academia”, via Creative Commons  Attribution 3.0 Unported License. Tradução: Bruno Leal, editor-chafe do Café História.

Como citar este artigo

DUZEL, Esin. O ataque global à academia. (Artigo). Tradução de Bruno Leal Pastor de Carvalho. In: Café História – história feita com cliques. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/ataque-global-a-academia/. Publicado em: 9 mar. 2020. Acesso: [informar data].

Esin Düzel

Fellow em Cultura e Conflito no LSE European Institute. Antropóloga sócio-cultural com doutorado pela University of California, San Diego (2016). Possui mestrado em Estudos Comparativos pela Ohio State University e bacharelado em Estudos Culturais pela Sabanci University (Turquia).

2 Comments Deixe um comentário

  1. Os estudantes foram da Uniao Europeia nao podem estar ä espera do paraìso na europa sö porque è um bloco democratico,existe a discriminaçao racial,a falta de integraçao nas sociedades nao è fäcil e causa mal estar a quem vem de fora.
    Ser estudante fora de portas è um desafio a que sö os mais fortes conseguem vencer,aceitando os desafios como um obstaculo a vencer,e sö depois serä aceite ou nao.
    Estou na Alemanha ä quase vinte e tres anos e ainda nao fui totalmente aceite pela sociedade alemä,mas isso faz parte da vida e queixarmo-nos nao ajuda nada.

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