Antropólogos alertam: artefatos humanos em Marte devem ser tratados como patrimônio histórico

Em mais de 50 anos de exploração humana em Marte, muita coisa ficou pedida por lá. Em artigo recente, antropólogos defendem que material não é apenas “lixo espacial”, mas história da exploração interplanetária.
3 de janeiro de 2025
Antropólogos alertam: artefatos humanos em Marte devem ser tratados como patrimônio histórico 1
Robô Curiosity, da Nasa, em selfie de 2021. Foto: NASA/JPL-Caltech/MSSS

Iniciada na década de 1950, a Era Espacial marcou uma virada para a tecnologia e o conhecimento humano. Além de expandir nosso conhecimento sobre física, biologia molecular e astronomia, muitas das soluções encontradas para levar o homem ao espaço (e à Lua e, futuramente, a Marte) foram utilizadas na medicina e na engenharia.

Por outro lado, a exploração espacial também produziu “detritos espaciais”. Milhares de partes de foguetes e satélites estão agora presos em nossa órbita, perdidos, e, em alguns casos, oferecendo riscos para o lançamento de novos projetos espaciais. Com a “corrida para Marte”, o mesmo está acontecendo, só que mais longe. Há no planeta vermelho milhares de peças que um dia pertenceram a robôs, sondas, módulos de pouso, veículos exploradores e outras geringonças humanas.

Mas nem todo mundo vê esses materiais como lixo. Há quem os veja como patrimônio histórico. O antropólogo americano Justin Holcomb e outros quatro pesquisadores defendem que os artefatos físicos da exploração humana em Marte precisam ser catalogados, preservados e cuidados, a fim de registrar as primeiras tentativas da humanidade na exploração interplanetária. Ou seja, seriam documentos históricos.

Imagem do planeta Marte visto do espaço, com sua superfície avermelhada coberta por formações de nuvens brancas e áreas sombreadas que destacam vales, crateras e planícies. O fundo da imagem é preto, ressaltando o contraste com o planeta.
Foto de Marte tirada em 7 de setembro de 2000. Foto: NASA/JPL/MSSS

O argumento do grupo está registrado no artigo “The Emerging Archaeological Record of Mars,” (em português, “O registro arqueológico emergente de Marte”), publicado em dezembro de 2024 na revista Nature Astronomy. Holcomb, da Universidade do Kansas, é o principal autor. Os outros quatro são: Beth O’Leary, da Universidade Estadual do Novo México; Alberto Fairén, do Centro de Astrobiologia em Madri, Espanha, e da Universidade Cornell; Rolfe Mandel, da KU; e Karl Wegmann, da Universidade Estadual da Carolina do Norte.

Os humanos chegaram a Marte pela primeira vez em 1971, iniciando o registro da atividade humana no Planeta Vermelho. À medida que os cientistas planetários planejam futuros procedimentos de proteção planetária para Marte, eles também devem considerar o registro arqueológico em desenvolvimento em um dos nossos planetas mais próximos.” HOLCOMB ET ALL.

“Nosso principal argumento é que o Homo sapiens está atualmente passando por uma dispersão, que começou na África, chegou a outros continentes e agora começou em ambientes fora do mundo”, disse Holcomb. “Começamos a povoar o sistema solar. E assim como usamos artefatos e características para rastrear nosso movimento, evolução e história na Terra, podemos fazer isso no espaço sideral seguindo sondas, satélites, módulos de pouso e vários materiais deixados para trás. Há uma pegada material nessa dispersão.”

Para o antropólogo, que lidera o projeto de pesquisa, o que as pessoas veem simplesmente como lixo tem valor histórico, arqueológico e até ambiental. Segundo Holcomb, a área responsável por esse tipo de estudo é a “geoarqueologia planetária”, que, a despeito do pouco tempo, concentra um enorme potencial. Para ele, é preciso estabelecer metodologias para rastrear e catalogar material humano em marte, criando registros e até recuperando algumas dessas peças perdidas.

“Esses são os primeiros registros materiais da nossa presença, e isso é importante para nós”, ele disse. “Eu vi muitos cientistas se referindo a esse material como lixo espacial, lixo galáctico. Nosso argumento é que não é lixo; na verdade, é muito importante. É fundamental mudar essa narrativa para o patrimônio porque a solução para o lixo é a remoção, mas a solução para o patrimônio é a preservação. Há uma grande diferença”, diz o pesquisador.

Muitos detritos no espaço e em Marte

Segundo o Natural History Museum, há cerca de 3 mil satélites mortos espalhados pelo espaço – número que ultrapassa os satélites ativos (2 mil satélites). Além deles, há aproximadamente 34 mil pedaços de equipamentos perdidos lá em cima. Tudo isso fica em uma região chamada de “órbita baixa da Terra” (ou, para os íntimos, LEO).

“Não há leis espaciais internacionais para limpar detritos em nosso LEO. O LEO agora é visto como o maior depósito de lixo do mundo, e é caro remover detritos espaciais do LEO porque o problema do lixo espacial é enorme — há cerca de 6.000 toneladas de materiais em órbita baixa da Terra”, diz a Nasa.

Há alguns anos, a Agência Espacial Americana, a Nasa, publicou um guia orientando como limitar os detritos espaciais. O material está disponível gratuitamente aqui. E aqui você encontra outras obras de referência.

Em artigo publicado em 2022 no site The Conversation, Cagri Kilic, pesquisador de pós-doutorado em robótica, West Virginia University, nos últimos 50 anos, as nações enviaram 18 objetos feitos pelo homem para Marte em 14 missões separadas. No total, atualmente, há 15.694 libras de detritos humanos em Marte, ou 7 mil toneladas.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

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