O Museu do Ipiranga, em São Paulo, foi reaberto em 2022. Uma de suas novidades é que, agora, a história brasileira é contada por ele não só por meio de grandes narrativas e personagens, mas também por meio de objetos e pessoas comuns. Tijolos, fogões, telefones, geladeiras, cozinhas e conjuntos de ferramentas. Tudo isso também é história, tudo isso fala sobre o tempo e as pessoas. Essa pegada tem a ver com uma história social dos objetos, das coisas e lugares, que ganha força nos últimos anos, principalmente dentro da História Pública. O filme “Aqui” (“Here”), que estreia dia 16 de janeiro no Brasil, tem muito a ver com essa proposta.
Lançado nos Estados Unidos em 1º de novembro de 2024, o filme marca a reunião do diretor Robert Zemeckis (De “De volta para o futuro”) com os atores Tom Hanks e Robin Wright, repetindo a parceria de sucesso de “Forrest Gump”. “Aqui” adapta a graphic novel homônima de Richard McGuire, centrando-se em uma sala de estar em Nova Jersey e nas vidas que ali se desenrolam ao longo de várias décadas. Na verdade, a coisa toda vai bem mais longe, já que o local da sala também é retratado antes da própria casa ser construída – o filme começa, inclusive, com dinossauros!
“Aqui” tem boas intenções, mas…
“Aqui” é um filme com boas intenções. A ideia de uma única locação não é nova. Isso já foi muito testado no cinema. Eu me lembro de cara de dois (bons) filmes: “Por um fio” (2002), com Colin Farrell, se passa em uma cabine telefônica; “Enterrado vivo” (2010), com Ryan Reynolds, se passa em um caixão. Mas “Aqui” tem o mérito de adicionar algo que os historiadores vão gostar: o tempo. O filme não tem uma linha do tempo linear, mas paralela, o que serve para mostrar que a sala de estar e a casa são todos e tudo juntos – ter explorado períodos anteriores à existência da casa enfraquece esse argumento, mas não o compromete.
Na primeira metade do filme, os tempos e as pessoas retratadas no filme são equilibrados. Isso reforça a sensação de que a casa é uma observadora da vida e do tempo, mas, ao mesmo tempo, protagonista também. Ela é parte importante da história da vida cotidiana. Isso é o que mais me agradou em “Aqui”.
O problema é a segunda metade do filme. A partir daí, a história passa a girar muito em torno de uma família, aquela em que está situada a personagem de Tom Hanks. Essa concentração abala o equilíbrio da primeira metade do filme e faz com que essa sala de estar e casa sejam apenas lugares afetivos. O local perde muito de sua potência protagonista.
Outras três coisas me incomodaram no filme. A primeira são certas passagens muito emotivas e cafonas. Elas só estão lá para fazer chorar e encontrar um significado metafísico (quase religioso) da vida. A segunda coisa é a teatralidade. Como a câmera é estática e só há um plano, a linguagem do filme é totalmente teatral, o que causa estranhamento, principalmente nas atuações, que parecem impróprias. Por fim, me incomodaram as representações das temporalidades mais antigas: dos dinossauros, pré-coloniais e coloniais. São caricatas, malfeitas e bregas.
Além disso, o que causou críticas ao filme nos Estados Unidos é o emprego da tecnologia. “Aqui” usa, do começo ao fim, inteligência artificial para rejuvenescer digitalmente Hanks e Wright, permitindo que ambos interpretem seus personagens em diferentes fases da vida sem a necessidade de múltiplos atores. A tecnologia, desenvolvida pela empresa Metaphysic, aplica transformações faciais em tempo real, eliminando a extensa pós-produção tradicionalmente associada a esses efeitos.
Isso gerou mal-estar no meio artístico. A atriz de Friends, Lisa Kudrow, por exemplo, manifestou preocupações sobre o uso de inteligência artificial no filme, considerando-o um “endosso à IA” e questionando o impacto dessa tecnologia no futuro dos atores humanos, especialmente os emergentes.
Tom Hanks comentou sobre a experiência de se ver rejuvenescido na tela, afirmando que, embora tenha sido divertido, ele prefere sua idade atual de 68 anos. O ator também destacou os desafios de incorporar física e emocionalmente versões mais jovens de seu personagem.
“Aqui”, de uma forma geral, não é um bom. Mas é um filme que vale a pena ser visto pela proposta relativamente criativa e original. Talvez você não curta o resultado, mas acho que o filme pode, ao menos, despertar algumas reflexões que são boas. Pensar a vida e a si sem sair da sala de estar.