Há 60 anos começou no Brasil a Ditadura Militar (1964-1985). O regime de exceção, que durou 21 anos, cassou direitos políticos, censurou a imprensa e perseguiu opositores. Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, 434 pessoas desapareceram e foram mortas durante o período. Algumas dessas vítimas foram biografadas por alunos da Educação Básica da rede municipal de Esteio, cidade metropolitana de Porto Alegre (RS).
O projeto é o resultado da dissertação “Para não esquecer: ensino de História e empatia histórica a partir da escrita de biografias de desaparecidos políticos da Ditadura Civil-Militar brasileira”, defendida por Fernando de Lima Nunes, em 2018, no Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O trabalho pode ser acessado aqui.
Para construir as biografias, os alunos usaram os documentos do acervo disponível no site da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo. “A sequência didática foi pensada para que os alunos pudessem aprender sobre a História da Ditadura Civil-Militar e de seus mortos e desaparecidos políticos a partir da escrita biográfica conforme os preceitos da escrita historiográfica, usando fontes primárias e relacionando-as à historiografia já existente sobre os personagens”, explica Nunes.
De acordo com o professor, a escolha dos personagens biografados seguiu critérios específicos. “O primeiro corte foi a tentativa de biografar pessoas com algum envolvimento com o Rio Grande do Sul. Em paralelo a isso, houve uma busca por apresentar personagens que representassem a diversidade étnica e de gênero”, detalha.
O primeiro capítulo da dissertação discute o ensino de História, empatia histórica, o ensino de História da Ditadura Civil-Militar e faz uma revisão bibliográfica sobre o tema. No capítulo seguinte o pesquisador aborda questões metodológicas, como a escolha do conceito de “empatia histórica” para a guiar a pesquisa e uma análise prévia dos documentos utilizados pelos alunos na sequência didática. O último capítulo é dedicado à descrição da aplicação e o desenvolvimento da atividade com os estudantes.
Empatia histórica
O principal referencial teórico-metodológico utilizado na pesquisa foi o conceito de empatia histórica, desenvolvido pelo historiador inglês Peter Lee. “Lee entende que a aprendizagem em história é mais significativa quando os alunos conseguem pensar o passado a partir das possibilidades e saberes que as pessoas do passado tinham, sem as julgar pelos saberes que temos no presente sobre esse passado, tudo isso através da interação do estudante com documentos da época estudada”, pondera Nunes.
Contudo, o pesquisador alerta que a noção de empatia precisa ser contextualizada, para não haver anacronismos nas interpretações do passado. “‘Empatia histórica’ está ligada ao processo de entender como foi possível que o agente histórico pensasse e sentisse daquela forma e não ter o mesmo sentimento que ele”, ressalta.
Nesse sentido, o pesquisador avalia que a compreensão da intenção dos sujeitos nas ações humanas em outro contexto pode ser produtiva no processo de ensino-aprendizagem. “A escrita biográfica, seguindo os pressupostos historiográficos, está intimamente ligada à empatia histórica, pois foca em escolhas pessoais, de um determinado período, a partir de fontes primárias, além de possibilitar um debate sobre o indivíduo e o contexto”, defende.
Fontes primárias em sala de aula
O trabalho foi desenvolvido com alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e do 3º ano do Ensino Médio. Antes de analisarem os documentos, os estudantes responderam a um questionário com perguntas sobre o conhecimento prévio que tinham sobre a Ditadura Militar brasileira e se conheciam termos como “desaparecido político” e “terrorismo de estado”.
Ao todo, eles pesquisaram sobre seis desaparecidos políticos da Ditadura Militar brasileira: Alceri Maria Gomes da Silva, Isis Dias de Oliveira, Luiza Augusta Garlippe, David Capistrano da Costa, Manoel Raimundo Soares e Flavio Carvalho Molina. Para isso, os alunos utilizaram documentos como certidões de nascimento e óbito, jornais da época, exames necroscópicos, relatórios produzidos pelas forças de repressão, entre outros.
Para Nunes, o uso de documentos em sala de aula coloca o aluno como protagonista do processo de ensino e aprendizagem, ao mesmo tempo que contribui para a compreensão do processo de formação do conhecimento histórico. “A pesquisa permitiu identificar que o uso de fontes primárias, conectadas ao exercício da escrita biográfica, são fatores que potencializam a aprendizagem em história”, reflete.