“Adolescência”: um golpe brutal de realidade

Minissérie criada por Stephan Graham e Jack Thorne aborda temas delicados sobre pa(ma)ternidade em meio a uma geração moldada pelas redes sociais. "Adolescência" está disponível na Netflix.
28 de março de 2025
por
Cena de "Adolescência". Psicóloga olha para o menino.
"Adolescência" está disponível na Netflix. Foto: divulgação.

O que fazer quando um dos piores pesadelos de pais e mães se torna realidade? Como lidar com a culpa herdada pelos atos dos filhos? Como aceitar a própria impotência diante da influência de redes e grupos digitais na formação de jovens? Como dosar o uso da tecnologia e da internet em mentes em formação? Como mudar a visão atual de masculinidade que ainda permeia muito as entranhas da nossa sociedade?

Essa são algumas das perguntas que nos atormentam ao assistir à minissérie britânica Adolescência, criada por Stephen Graham e Jack Thorne, e que se destaca como uma experiência visceral e imersiva que retrata, sem rodeios, a realidade sombria da violência juvenil no Reino Unido, e consequentemente, no resto do mundo.

Fugindo de clichês sobre serial killers infantis – onde crianças são frequentemente retratadas como malignas em filmes de terror – a produção se ancora em fatos reais e na crescente preocupação com agressões e ataques cometidos por adolescentes, abordando questões como a pressão dos grupos sociais onde estão inseridos e a abominável cultura online do incel – termo que vem do inglês involuntary celibate, e que acena para jovens meninos ou até mesmo homens de meia-idade que cultivam o ódio e a misoginia contra mulheres e meninas como uma resposta para suas próprias limitações, incapacidades e rejeições.

Assim como os chamados Redpills, que habitam as profundezas da web com suas teorias estapafúrdias e conspiratórias em relação a qualquer assunto político que não sirva à dominação masculina, os incels se sentem diminuídos com a presença forte feminina na sociedade, o livre arbítrio e a igualdade de direitos.

Narrativa Impactante e Apuro Técnico

Dividida em quatro episódios, cada um focado em um momento específico do caso de Jamie Miller (Owen Cooper), a série inicia com um choque: a prisão do jovem sob acusação de esfaquear sua colega de escola. Com direção de Philip Barantini, cada episódio é filmado em um único take, seguindo os personagens em tempo real e criando uma sensação de claustrofobia e urgência. Esse estilo de filmagem nos coloca dentro da trama, sentindo a tensão e o desespero dos envolvidos.

O diretor de fotografia Matthew Lewis, que também já colaborou com Barantini e Graham no longa Boiling Point (2021) nos leva a uma corrida alucinante e profunda com suas acrobacias com a câmera de mão que, em um único take, pode ser conectada a um drone, fazer um vôo panorâmico e depois voltar para a mão do cinegrafista.

Dessa forma, o foco do espectador está plenamente direcionado à ação que o olho humano é capaz de captar no momento, isolando a cena e as atuações de um olhar mais amplo ao redor e aumentando imensamente a dramaticidade dos diálogos com closes bem estudados. Os quatro episódios foram filmados em plano de sequência com repetição de pelo menos 10 takes de cada, com alguns indo bastante além dessa marca.

Atuações Memoráveis e Improvisação Naturalista

A história se desenvolve através das reações da família de Jamie Miller (Owen Cooper) quando esse é recolhido pela polícia e levado à delegacia, onde é formalmente acusado de assassinar a colega Kate com facadas. Principalmente de seu pai, Eddie Miller (Stephen Graham), que oscila entre incredulidade e sofrimento durante todo o processo da investigação conduzida pelos detetives Luke Bascombe (Ashley Walters) e Misha Frank (Faye Marsay). A mãe de Jamie, Manda Miller (Christine Tremarco), tem também uma atuação crua e emocionalmente devastadora, assim como a psicóloga Briony Ariston (Erin Doherty) que visita Jamie no local onde fica internado.

"Adolescência": um golpe brutal de realidade 1

Se liga nessa história: logo depois da Segunda Guerra Mundial, Herberts Cukurs imigrou para o Brasil vindo da Letônia. Ele criou os pedalinhos da Lagoa Rodrigo de Freitas e refez a vida. Mas, em 1950, ele foi denunciado como criminoso de guerra nazista. Essa incrível história real é examinada pelo historiador Bruno Leal no livro “O homem dos Pedalinhos” (FGV Editora), que em breve vai virar filme. Confira aqui o livro, em formato físico e digital.

O elenco é, portanto, um dos pontos altos da minissérie e é excepcional até mesmo em pequenos papéis coadjuvantes, como o de Adam (Amari Bacchus) o introvertido filho do detetive Bascombe ou Lisa (Amelia Pease) a compreensiva e doce irmã mais velha de Jamie.

O garoto Owen Cooper – que apesar de interpretar um menino de 13 anos tinha 15 na época da filmagem – e em sua primeira atuação, impressiona com um talento natural que já lhe rendeu a garantia do papel do jovem Heathcliff na próxima adaptação de O Morro dos Ventos Uivantes, famoso romance de Emily Brontë que já está em produção.

Um exemplo de sua espontaneidade acontece no terceiro episódio, quando, exausto após diversas tomadas, boceja durante uma cena com Erin Doherty (Briony Ariston). Sua reação é imediatamente capturada e improvisada pela atriz, que responde: “Am I boring you?” O sorriso de Owen não estava no roteiro, mas foi mantido na versão final, segundo o diretor Jack Thorne, tornando a cena ainda mais autêntica. Graham também contou em entrevistas que Owen era consultado para adaptar os diálogos aos trejeitos e gírias de meninos de sua idade, dando ainda mais liberdade expressiva e naturalidade ao resultado.

Stephen Graham merece também uma menção à parte, confesso que meu conhecimento de sua obra como autor era nula e meu contato com seu trabalho como ator se restringia a filmes de ação ou thrillers onde Graham sempre interpretava o muscleman, o trabalhador simplório, o brutamontes curto e direto com exagerados sotaques britânicos regionais, como nas séries Peaky Blinders (2022) e A Thousand Blows (2024) ou em filmes como Snatch (2000) e Venom (2024). Mas Graham tem muito mais a nos mostrar e, em Adolescência, além de assumir a posição de co-criador e roteirizar dois episódios, ele nos leva às lágrimas com sua interpretação real, vulnerável e honesta de um pai desesperado tentando não desabar diante de uma tragédia. 

“Adolescência”: temas Urgentes e Reflexivos

Mais do que um drama criminal – aliás, quem for assistir à minissérie se atendo a essa classificação vai se decepcionar muito – Adolescência se propõe a gerar discussão sobre a responsabilidade dos pais, o papel da educação e o impacto da internet no comportamento juvenil.

A toxicidade da masculinidade adolescente é um tema recorrente, abordado tanto no bullying escolar quanto na maneira como os jovens lidam com emoções reprimidas e violência. Com apenas quatro episódios, Adolescência não perde tempo com enrolações. A direção intimista, o roteiro preciso e as atuações impactantes criam um relato brutalmente realista sobre a juventude contemporânea, porém com toques sutis e delicados como a trilha sonora minimalista que se destaca em especial na cena final, onde a canção Through the Eyes of a Child, cantada pela atriz que representa (em foto) a menina assassinada Kate, embala um momento de profunda reflexão sobre a perda da inocência.

O co-diretor Jack Thorne contou em entrevista que se baseia em uma frase de Alfred Hitchcock para guiar sua abordagem cinematográfica: “Os diálogos são somente as palavras ditas pelos atores enquanto seus rostos contam a história.” E é exatamente isso que Adolescência entrega: uma história onde os olhares dizem mais que qualquer linha de diálogo, levando o espectador a uma imersão emocional que persiste muito após os créditos finais.

Uma minissérie indispensável para pais, mães, tios, tias, avôs e avós, adolescentes e jovens, Adolescência é uma dessas raras obras com uma função social importantíssima e com poder capaz de gerar reflexão em milhões, e, de forma otimista, possivelmente mudar perspectivas e comportamentos, mesmo que através do medo que gera com suas considerações. A obra estreou no canal Netflix em março e está disponível para assinantes – e, se dependesse de mim, viraria obra obrigatória em todas as escolas.


Tais Zago

Tem 46 anos. É gaúcha que morou quase a metade da vida na Alemanha mas retornou a Porto Alegre. Se formou em Design e fez metade do curso de Artes Plásticas na UFRGS, trabalha com TI mas é apaixonada por cinema.

Leia também