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A primeira aula de história do ano letivo

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A estratégia do professor no primeiro dia de aula é fundamental. Imagem: Bruno Leal.

Quando da primeira aula do ano, depois da tradicional apresentação, a maioria dos professores usa seu tempo com a tradicional “chamada da turma”, reconhecimento e apresentação, seguida de um “descompromissado” bate-papo. Muitos consideram este o melhor método para iniciar um processo de interação. Já o contrário poderia estimular a dispersão, criar um cenário para possíveis conflitos e fomentar desvios disciplinares, já que parte dos alunos não estão participando da atividade.

Minhas leituras dos tempos de graduação foram essenciais para ditar meu ritmo quanto à organização de um plano de aula para o primeiro contato: Michael Renov (1981), Dermeval Saviani, Elza Nadai, Circe Bittencourt, Conceição Cabrini entre outros, essenciais aos anos 1980/1990, mas não para a atualidade. No entanto, continuei minha formação de forma independente, o que me favoreceu a aprender e aplicar novos métodos e conceitos. Este é um processo de formação individual que deveria ser contínuo, mas que na atualidade é ignorado por muitos, já que consideram a teoria recebida como suficiente, assim como a “rala” prática recebida, como afirma Bernadete Gatti, da Fundação Carlos Chagas.1

Em 1996, Sonia Nikitiuk reuniu pela Editora Cortez um pequeno número de métodos que reformularam a prática do ensino de História em sua época e que ainda podem ser considerados como atualíssimos. Dois destes textos foram ao encontro do que em sala de aula transformei em prática comum nos anos 1990, como o de Paulo Knauss e o de Ubiratan Rocha, que abordavam tópicos fundamentais para o exercício de uma aula considerada “sedutora”. No caso de Knauss, o autor nos convidava a tornar a “sala de aula um lugar de pesquisas”, um laboratório, tendo basicamente o documento como um “problema” e visando a construção do conhecimento. Essa prática favorecia professores que trabalhavam com pesquisa histórica, além de submeter a memória do fato a uma avaliação atualizada e cuja identidade também poderia encontrar-se presente no cotidiano. Como o próprio Knauss designava, era “um caminho privilegiado para a construção do conhecimento” com os próprios discentes em sala de aula.

Já Rocha, nos convidava a “reconstruir a história a partir do imaginário do aluno”, processo que se integrava de forma correlata à proposta metódica de Knauss como exercício de interação de fatos com as práticas cotidianas em nossa sociedade. Para Rocha deveria ocorrer uma “discussão permanente do que consideramos como história” e qual a sua serventia em nossa sociedade. Fatores que, para muitos professores, são considerados “irrelevantes”. O professor deve “construir oportunidades para a discussão do conhecimento” precisamente a partir de seu local de trabalho, pois o discente não pode ser considerado uma “tabula rasa”; deve desenvolver pensamentos objetivos, confrontar os elementos apresentados e observar sua relevância para o estudo da sociedade. O professor deve assim fugir do imobilismo submetido pela prática da imposição de seu discurso que conduz ao controle do grupo e suprime a liberdade da permuta de informações. “Devemos oxigenar a prática docente”, destaca o autor.

Há alguns anos, desenvolvi uma prática comum para as primeiras aulas nos sétimos anos, combinando as propostas metodológicas de Knauss e Rocha, que se iniciava pela distribuição de um texto atraente do livro didático destinado aos alunos. Procurava, de acordo com a leitura do mesmo, desvendá-lo, dissecá-lo, para que o aluno sentisse a cada palavra a medida de sua intensidade, em um crescente onde cada ideia conduzia a uma permuta de resultados primários, confrontos ou mesmo à produção de novas etapas conclusivas, em que cada qual se sentia como em um cenário investigativo procurando saber a identidade do autor.

Porém, nos últimos anos foi indicado pela instituição de ensino como material didático para as aulas de História o livro de Patrícia Ramos Braick. Iniciei assim sua leitura, processo que considero essencial aos professores a partir do momento da indicação do material didático, mas fato que não ocorre a jovens recém-saídos das universidades – não realizam a formação desejada sobre o material a ser trabalhado, uma essenciabilidade pedagógica. Neste material, a presença de um texto me chamou a atenção, uma tessitura montada por Hilário Franco Jr., ex-aluno de Jacques Le Goff. Era um fragmento de sua publicação “A Idade Média está muito mais presente no nosso dia-a-dia do que imaginamos”, publicado na Revista de História (2008). Gravei o fragmento de texto em áudio e o distribuí por meio de Bluetooth para os celulares dos alunos, fato que os assustou, pois havia uma proibição no estabelecimento. Solicitei então que ouvissem com atenção e que anotasse em seus cadernos tudo aquilo que eles reconheciam como parte de seu cotidiano. Ao final, destaquei que o texto foi criado na Idade Média, época observada por estudiosos como de “escuridão” técnica e científica.

Finalmente apresentaram seus resultados no quadro da sala, em grupo ou individualmente, assustados pelo fato de que estas “invenções” possuíam entre dez e sete séculos e ainda se encontravam presentes pelo nosso cotidiano. Observaram que a construção deste conhecimento não se perdera no tempo, sendo ainda tão essenciais e tão consistentes em nossa época. O livro deixou de ser um obstáculo: passou a ser conquistado, texto a texto, imagem a imagem, construindo conhecimentos a partir da curiosidade estabelecida por um cenário de época. Nesta experiência, vivenciaram a História como ciência; sentiram-se pesquisadores, alguns até mesmo alegaram o desejo de ser um historiador, o que acredito que foi uma grande conquista para uma primeira aula.

Notas

1. GATTI, Bernadette; DE SÁ BARRETTO, Elba Siqueira. Professores do Brasil: impasses e desafios. Unesco Representação no Brasil, 2009.

Referências

BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História, das Origens do Homem à era Digital. Editora Moderna: São Paulo, 2012.

GATTI, Bernadette; DE SÁ BARRETTO, Elba Siqueira. Professores do Brasil: impasses e desafios. Unesco Representação no Brasil, 2009.

NIKITIUK, Sonia L. (Org.). Repensando o Ensino de História, Questões de Nossa Época. Cortez Editora: São Paulo, 1996.

Como citar este artigo

FILHO, Oazinguito Ferreira Silveira. A primeira aula de história do ano letivo. (Artigo). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/a-primeira-aula-de-historia-do-ano-letivo/. Publicado em: 9 fev. 2017. ISSN: 2674-5917.

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