Acaba de ser lançado pelo Prime Video da Amazon (que irônico), “A Ordem” (no original, The Order), filme dirigido por Justin Kurzel, com Jude Law e grande elenco. O filme tem aproximadamente 2h e sua classificação etária é 16 anos. Eu vou facilitar a sua vida, caso você não queira ler essa crítica até o final: sim, vale muito a pena ver o filme. Muito provavelmente ele estará na lista dos melhores do ano. Mas se quiser saber mais, continue comigo.
“A Ordem” é um thriller histórico que retrata a ascensão e queda de uma organização neonazista no noroeste dos Estados Unidos durante os anos 1980. O filme acompanha o grupo “A Ordem”, que, insatisfeito com o governo federal, inicia uma série de crimes violentos, incluindo roubos a bancos e carros-fortes. O objetivo do grupo é financiar uma insurreição em larga escala. A narrativa explora as motivações internas dos membros do grupo e os métodos que utilizam para espalhar sua ideologia de ódio, destacando o impacto devastador de suas ações na sociedade.
“A Ordem”: um filme para hoje
Como você já deve ter percebido, “A Ordem” não é só um filme político. É um filme político para hoje. A ideologia e a permissividade do regime legal e político norte-americano que permite, a troco de nada, a persistência do nazismo como opção política nos anos 1980, é a mesma que está de pé ainda hoje e permitiu a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
A primeira emenda americana é uma aberração constitucional que assegura o discurso de ódio. O texto da lei (que é de 1791) diz:
“O Congresso não fará nenhuma lei estabelecendo uma religião ou proibindo seu livre exercício; nem restringindo a liberdade de expressão ou de imprensa; ou o direito do povo de se reunir pacificamente e de peticionar ao governo para a reparação de agravos.”
Neste modelo de direito absoluto, qualquer pessoa pode ser racista ou, digamos, fazer compras com a suástica tatuada no rosto.
Esse trecho, não revisto, não limitado e não atualizado da Constituição dos EUA, tem sido interpretado como superior a qualquer outro. É ele que assegura o uso de símbolos nazistas e discursos de ódio por lá. Se no Brasil você pode ser preso se portar uma bandeira nazista ou proferir alguma fala racista, nos Estados Unidos, isso não significa nada.
No início dos anos 1980, quando se passa “A Ordem”, o FBI já estava de olho numa organização supremacista branca e fundamentalista cristã chamada Nação Ariana (Aryan Nations ou AN), criada em 1970 por Richard Girnt Butler. Mas quando o agente do FBI interpretado por Jude Law chega a Metaline, Washington, para investigar assaltos a bancos e lavagem de dinheiro (porque esses são os únicos crimes que podem ser investigados e punidos), ele descobre que os problemas não são causados pela Nação Ariana, e sim pela “A Ordem”, uma dissidência mais violenta, criada por Robert Jay Mathews, e que segue o livro extremista “O Diário de Turner” (1978), de William Luther Pierce, publicado sob o pseudônimo de Andrew Macdonald.
O livro de Pierce descreve uma revolução violenta nos Estados Unidos que leva à derrubada do governo federal, uma guerra nuclear e, finalmente, uma guerra racial que leva ao extermínio sistemático de não-brancos e judeus. É exatamente esta a metodologia seguida pela “A Ordem”.
Derrotados e vitoriosos
“A Ordem” é um grupo terrorista e perigoso. Disso não há a menor dúvida. Ele matou o radialista judeu Alan Berg em frente à sua casa com uma chuva de tiros, como um animal. Falsificaram dinheiro, aliciaram menores de idade e eram…nazistas. Mas o grupo é o grande derrotado da História (e da história), porque ele é descuidado, ingênuo e impulsivo. O grande vencedor da História (e da história) é Richard Butler e suas ideias. A segunda melhor cena do filme é um diálogo entre ele e Mathews, no meio da estrada:
“Em dez anos, teremos membros no Congresso, no Senado, é assim que se faz a mudança. Progresso leva tempo”, diz Butler. E Mathews, irritado com o que considera uma perda de tempo e um blablablá inútil, desejoso por rupturas rápidas e violentas, responde: “Esse é o seu problema”. Conclusão: Matheus morre meses depois. E Butler, ou melhor, o projeto de Butler, é o grande vencedor. Os supremacistas conseguiram membros no Congresso e no Senado. Mais ainda, conseguiram um Presidente. Por duas vezes! Ou seja, o filme é menos sobre “A Ordem” e mais sobre o outro grupo, a outra estratégia, a outra metodologia de tomada do poder.
E agora, a melhor cena do filme, na minha opinião. No final de “A Ordem”, o agente do FBI coloca na mira de sua espingarda, pela segunda vez, um cervo. Mas ele não consegue atirar. Baita cena emblemática. O alvo está na mira, mas não é derrubado. Esse animal hoje está à solta, descontrolado e fazendo suas vítimas. Esse animal é o fascismo.
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