A Balaiada foi uma revolta ocorrida entre dezembro de 1838 e fevereiro de 1841, durante o Brasil Império, em meio ao processo de construção do Estado Nacional, como parte de uma série de lutas populares por cidadania. A revolta começou na antiga província do Maranhão, mas acabou chegando até as províncias do Piauí e do Ceará. Especialistas calculam que ela chegou a envolver 12 mil homens, muitos dos quais eram pobres livres, os caboclos maranhenses, que levantaram bandeiras pautadas em direitos fundamentais com base na Constituição imperial de 1824.
Vista por muitos historiadores como uma guerra civil, sublevação, insurreição e até revolução, a Balaiada (também conhecida como “Guerra dos Bem-te-vis”) se destacou pela sua ampla duração, pela composição dos sublevados, por sua organização e pelas reivindicações de cunho social dos rebeldes. Temida pelas elites, ela foi violentamente reprimida pelo governo e combatida até mesmo no plano da memória e da história.
Os motivos da revolta
A luta armada dos balaios, ou dos Bem-te-vis do sertão, como também eram conhecidos os participantes da revolta, foi uma resposta às medidas arbitrárias do período, como o recrutamento forçado e as perseguições políticas, impostas pelas autoridades cabanas, que no contexto do regresso conservador, do final do período regencial, intensificaram as perseguições aos adversários políticos e às camadas populares constituídas dos livres pobres, em sua maioria classificados como “homens de cor”. Sobre os motivos da revolta, podemos citar a concentração de terras nas mãos de latifundiários (que gerava uma tensão com os produtores voltados para o mercado interno), a exclusão política dos livres pobres, a discriminação racial e o recrutamento forçado dos homens livres pobres. Entre as pautas políticas dos rebeldes estavam a exigência do cumprimento das garantias constitucionais, que eram suspensas quando se aplicava medidas arbitrárias, que contrariavam os princípios liberais previstos na Constituição de 1824, como o direito de ir e vir, a inviolabilidade das casas e não ser preso sem culpa formada. Além disso, os revoltosos reivindicavam a saída do presidente da província, prefeitos e subprefeitos, por serem autoridades cabanas, e a expulsão dos portugueses da região, considerados inimigos da causa brasileira desde as lutas pela Independência.
A prática do recrutamento, ou “pega”, como era denominado pelas camadas populares, era vista de maneira odiosa pelos livres pobres, já que reduzia a força de trabalho dessas famílias camponesas. É possível dizer que foi um dos principais motivos da revolta.
O recrutamento forçado era um dos meios utilizado pelo Exército e pela Marinha de Guerra para a obtenção de soldados e marinheiros, os quais eram utilizados para combates em diferentes províncias com movimentos rebeldes, assim como para compor as guarnições dos navios. Essa prática, que se utilizava da força e do cerceamento da liberdade, da perda do direito constitucional de ir e vir, da liberdade individual na totalidade, era a mais odiosa para os homens livres pobres, e a fuga do recrutamento forçado era a forma mais frequente de resistência às medidas opressoras das classes dominantes. Para um dos maiores críticos da administração provincial, o jornalista João Francisco Lisboa, não existia outra forma “governamental senão o terror e o recrutamento violento”.
A luta armada contra o recrutamento forçado reuniu, desta forma, uma ampla parcela da população maranhense. Essas pessoas, em sua maioria pobres e despossuídos, eram profundamente marcadas pela exploração e pelo desprezo em geral das classes dominantes. Quando os populares se rebelaram contra o “pega” e o abandono social, a legitimidade da revolta foi imediatamente negada, e os revoltosos foram taxados de contestadores.
O estopim
O dia 13 de dezembro de 1838 marca o início do movimento da Balaiada. Essa data se consagrou em razão do manifesto político apresentado por umas das principais lideranças dessa guerra civil, Raimundo Gomes, protagonista do episódio da invasão da cadeia na vila da Manga (atual município de Nina Rodrigues, Maranhão), na margem esquerda do Iguará, comarca de Itapecuru.
Esse episódio iniciou quando Raimundo Gomes, um vaqueiro responsável pela condução do gado do padre Inácio Mendes de Moraes e Silva, ao passar nas imediações da vila da Manga do Iguará, teve sua marcha interrompida devido à prisão de seus companheiros. O motivo? O subprefeito cabano do Termo do Iguará, José Egito Pereira da Silva Coqueiro, era inimigo do Padre Inácio, do partido liberal, e para dar prejuízo ao seu opositor resolveu interromper a marcha daqueles vaqueiros. O seu líder, o vaqueiro Raimundo Gomes, não encontrando homens para substituir os companheiros na missão de pastorear o gado, o que implicava em prejuízos, reagiu de uma forma inesperada para as autoridades da vila, pois em seguida ao ato de arrombamento da cadeia para libertar os vaqueiros apresentou um manifesto político. O levante da Manga foi o início da Balaiada.
Outras lideranças
As lideranças da revolta eram de homens saídos do seio do povo, considerados rústicos, o que tornava a rebelião ainda mais preocupante para as autoridades. Um desses líderes foi Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, apelidado de Balaio. Durante muito tempo acreditou-se que sua revolta fora pessoal, que teria ocorrido por vingança, pois as suas duas filhas foram defloradas por um comandante que estava na captura dos rebeldes da vila da Manga. Mas o historiador Matthias Assunção trabalha com outra explicação. Para ele, o principal motivo era o recrutamento forçado de seus filhos. “Essa versão do Balaio, vingador das suas filhas estupradas”, talvez tenha sido utilizada “pelas elites para explicar o ódio popular como resultado da conduta imprópria de um soldado individual, e nada mais”. Desse modo, “não se mencionava a razão mais profunda do conflito, opondo o Estado e seus agentes, e a população de cor livre, em torno do recrutamento”.
O outro grande líder popular da Balaiada foi Cosme Bento das Chagas, conhecido como “Negro Cosme”, o qual foi responsável por liderar mais de 3 mil escravizados. Era natural de Sobral, província do Ceará, e naquele período da revolta tinha mais ou menos quarenta anos. Em 1838, já era forro e teria sido preso por homicídio na comarca de Itapecuru. Ele foi preso na cadeia de São Luís, mas conseguiu fugir e retornar para a ribeira do Itapecuru. Segundo Assunção, por ser alfabetizado, Chagas sabia da importância da alfabetização, “tanto que estabeleceu, em plena guerra, uma escola de primeiras letras na Lagoa Amarela. Certamente foi uma liderança forte. Tinha fama de ‘feiticeiro’ e não hesitava em usar os adornos da igreja católica em procissões que organizara”.
Declínio e derrota
Em 1840, a Balaiada começava a dar sinais de declínio; os seus líderes passaram a sofrer derrotas. Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, o Balaio, foi ferido por ocasião da segunda tomada da cidade de Caxias, em outubro de 1839, falecendo poucos dias depois nas imediações da cidade. Já Raimundo Gomes apostou em uma aliança com os escravizados sob a liderança do Negro Cosme, mas não foi muito duradora. Gomes se rendeu confiando na lei de anistia, mas foi encaminhado para a província de São Paulo, aonde chegou morto. Já Negro Cosme e seus seguidores foram alvos da violência das forças do governo, que só consideraram a revolta debelada depois que Cosme e seu grupo foram derrotados.
A guerra dos Bem-te-vis não teve sucesso por vários motivos, dentre os quais a forte campanha militar liderada por Luís Alves de Lima e Silva, o futuro duque de Caxias, o vencedor da guerra, que no contexto da revolta ficou conhecido por ter “pacificado” as províncias que estavam envolvidas neste movimento. Entre as suas medidas está a estratégia de tentar minar a união entre os balaios, o qual teve êxito no momento final, marcado pela fome, doenças, desgaste físico e muita perseguição aos rebeldes. O seu histórico de militar bem-sucedido nas missões que participou rendeu-lhe o título de Patrono do Exército Brasileiro. Em São Luís essa homenagem está exposta na estátua em frente ao quartel do exército, e na associação que é feita da sua imagem com a repressão da revolta, uma vez que escolheu o nome Caxias para seu título nobiliárquico, uma referência à cidade que representou a revolta dos balaios.
Narrativas sobre a Balaiada
A Balaiada foi reprimida pelo governo e pela memória. A forma como essa história foi contada sofreu várias tentativas de manipulação política conservadora. Para muitas narrativas sobre a revolta, a luta dos Bem-te-vis foi condenada como uma luta criminosa, motivada pela violência e pilhagem, ou ainda, como uma página da história do Maranhão que deveria ser esquecida e renegada. Ao invés de compreender a luta por cidadania, as narrativas oficiais que circularam até meados do século XX exaltavam os agentes da repressão, considerados “pacificadores”, como o militar Luís Alves de Lima, o futuro duque de Caxias.
O primeiro autor a lançar impressões sobre a Balaiada foi o escritor Domingos José Gonçalves de Magalhães, secretário do presidente da Província do Maranhão, o militar Luís Alves de Lima e Silva. Magalhães publicou um artigo sobre a Balaiada em 1848, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. A obra se intitula a Memória histórica e documentada da Revolução da Província do Maranhão desde 1839 até 1840. Nela, o autor conta a história da Balaiada pelo lado do “vencedor” e foi tomada como uma “verdade histórica”, já que o autor foi contemporâneo ao movimento e sua narrativa se apresenta como um “testemunho dos acontecimentos”. Suas impressões sobre essa revolta são de reprovação aos rebeldes e de acusação dos políticos liberais, vistos como os responsáveis pela disseminação das ideias que incentivaram os populares a pegarem em armas.
O ocultamento dos reais contornos Balaiada só começou a ser quebrado nas primeiras décadas do século XX, com a publicação da obra O Sertão, em 1924, da escritora Carlota Carvalho, no contexto do centenário da Independência política do Brasil. Neste livro, a autora traz um olhar diferente dos participantes da Balaiada, com motivações políticas que ligavam os anseios desses rebeldes às lutas da época da Independência.
Referências Bibliográficas
ABRANTES, Elizabeth Sousa; PEREIRA, Jesus. Josenildo de; MATEUS, Yuri Givago Alhadef Sampaio (orgs.). Histórias e Memórias da Balaiada. 1. ed. São Luís: EDUEMA, 2022.
ASSUNÇÃO, Matthias Rohrig. A Guerra dos Bem-te-vis. São Luís: SIOGE, 1988.
ASSUNÇÃO, Matthias Röhrig. Quilombos Maranhenses. In: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos. Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1996, p. 433-466.
CARVALHO, Carlota. O Sertão: subsídios para a história e a geografia do Brasil. 3. ed. Teresina: EDUFPI, 2011.
DIAS, Claudete Maria Miranda. Balaios e bem-te-vis: a guerrilha sertaneja. 3 ed. rev. atual. Teresina: EDUFPI, 2014.
MAGALHÃES, Domingos José de. Memória histórica e documentada da revolução da província do Maranhão desde 1839 até 1840. São Paulo: Siciliano, 2001.
MATEUS, Yuri Givago Alhadef Sampaio. A (Des)Ordem Imperial Brasileira: as lutas populares por cidadania no Maranhão no contexto de construção do Estado Nacional (1823-1841). 2023. 273 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2023.
Como citar este artigo
ABRANTES, Elizabeth Sousa; MATEUS, Yuri Givago Alhadef Sampaio. A Balaiada: luta por cidadania no Maranhão Imperial (Artigo). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/a-balaiada-luta-por-cidadania-no-maranhao-imperial/. Publicado em 28 set. de 2023. ISSN: 2674-5917.
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