Autoridades alemães e britânicas anunciaram que vão estudar a criação de um “passaporte de imunidade” para pessoas que se recuperaram da COVID-19. A medida visa permitir que essas pessoas, supostamente imunes ao novo coronavírus, possam voltar a trabalhar.
A ideia, contudo, não é nova. Ela já foi usada no século XVIII, na França. É o que lembra a historiadora da ciência, Cindy Ermus, da Universidade de San Antonio, nos Estados Unidos, em sua conta no Twitter.
Ermus compartilhou na rede social a imagem de um “certificado de saúde” datado de 1723 que era concedido pelo governo francês a pessoas que se recuperaram de uma epidemia de peste bubônica que castigou a região de Provença e do Languedoc. O documento reconhecia oficialmente que a pessoa estava livre da infecção e permitia a sua livre circulação.
Assim como hoje, as autoridades daquela época queriam o quanto antes que as pessoas retornassem às suas atividades econômicas. Isso, no entanto, precisava ser feito de forma extremamente controlada. Contudo, uma vez que a ciência moderna ainda não estava consolidada e faltavam métodos científicos de aferição, não se sabe ao certo se a medida foi eficaz.
Hoje, a ideia de “passaportes de imunidade” não anima muito a comunidade científica. Para muitos cientistas, a ideia é falha porque não se sabe se os recuperados do novo coronavírus desenvolvem mesmo imunidade. Além disso, boa parte dos testes hoje são pouco confiáveis. Recentemente, em coluna publicada na revista científica Nature, Natalie Kofler, especialista da Universidade de Medicina de Harvard, classificou os “passaportes de imunidade” de “uma péssima ideia”.
A “Praga de Provence”
Segundo explica Ermus, entre 1720 e 1722, a região francesa da Provença e partes do Languedoc sofreram uma epidemia de peste (manifestações bubônicas e pneumônicas de Yersinia pestis). O episódio é conhecido como a “Grande Praga de Marselha”, ou ainda, como “Praga da Provença”.
Embora os números variem, a historiadora aponta que o surto tenha matado até 45.000 pessoas, cerca de metade da população da cidade à época. No auge da epidemia, chegaram a morrer 1.000 pessoas por dia. No total, entre 76.000 e 126.000 morreram no sudeste da França devido à doença.
A epidemia de 1720-1722 foi um “desastre de grandes proporções”, classifica a pesquisadora. Em artigo sobre o tema, a pesquisadora explica que situação fez com que governo real em Paris (para onde o regente Philippe d’Orléans se mudara em 1715) empreendesse um grande esforço para administrar a crise, centralizando ainda mais o poder nas mães do rei.
“Primeiro, o governo suspendeu todo o comércio e deixou Provença; instituiu quarentenas rigorosas, criou os certificados de saúde e cordões (ou barreiras) militares que envolviam não apenas milícias burguesas da cidade e o pagamento de taxas provinciais, mas também um quarto do exército regular. Além disso, as autoridades francesas criaram um novo Conseil de Santé (ou Conselho de Saúde) em Paris, que deveria se reunir duas vezes por semana no Louvre para supervisionar todos os aspectos da gestão de crises no sul da França durante a praga. E em setembro de 1720, a Coroa nomeou Charles Claude Andrault de Langeron, marechal do exército do rei, como comandante em chefe da cidade de Marselha e seu território. Junto com os échevins (magistrados municipais de Marselha), ele era responsável por supervisionar a administração da praga em nome do rei.”