Brumadinho, o município mineiro arrasado na última sexta-feira (25) pela ruptura de uma das barragens da Vale, fazendo dezenas de vítimas e centenas de desaparecidos, possui um lugar de destaque na história da mineração no Brasil. A região possui diversos sítios arqueológicos que ajudam a contar a história do “Ciclo do Ouro”, como é chamado o período de intensa dinâmica econômica que caracterizou o Brasil colonial do século XVIII. Tais sítios arqueológicos não foram atingidos pela tragédia da Vale.
Um dos sítios mais importantes da região chama-se Forte do Brumadinho, também conhecido como Forte de Piedade ou Casa de Pedra. Ele foi construído pela Coroa Portuguesa por volta de 1750, período conturbado da atividade na região, com o propósito de proteger o negócio da mineração de ameaças internas e externas. A fortificação, que é ponto turístico no município, possui cerca de 2.000 m2 e está em uma área de propriedade da Vale S/A – a empresa, por isso, desenvolveu um Tour Virtual 360º pelos principais sítios arqueológicos da região.
Segundo o arqueólogo Warley Delgado, o sítio arqueológico Forte de Brumadinho, ao lado do sítio arqueológico “Casas Velhas”, localizado no mesmo município, “representam um momento de opulência do ciclo do ouro e de todos os conflitos que existiram nessa época, tanto os sociais, quanto os de relações económicas”. Ainda segundo Delgado, o momento em que ambos foram construídos foi muito importante para a formação da cultura mineira e da construção do estado de Minas.
O Forte de Brumadinho está a cerca de 50 km da cidade de Brumadinho, epicentro da tragédia (ver mapa). Apesar de a lama já ter percorrido mais de 80 km, a antiga fortificação construída no período colonial encontra-se em um local elevado e do lado oposto para onde se dirigiram os rejeitos da mineradora.
Forte do Brumadinho: objeto de pesquisa acadêmica
O arqueólogo Carlos Magno Guimarães e a arqueóloga Camila Fernandes de Morais, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estudam a relação entre mineração, degradação ambiental e arqueologia. O “Forte do Brumadinho” foi objeto de estudo em artigo acadêmico publicado por ambos em junho de 2018 no periódico Memoria Americana. Nele, Guimarães e Morais o descrevem com detalhes:
“Trata-se de uma fortificação com muros de pedras, muitas delas de grandes dimensões, associada a vestígios de tanques e mundéus, canais, plataformas arrimadas, muros e escoramentos de pedras, galerias de minas, uma grande cava de encosta, trilhas e segmentos de estradas calçadas, dentre outros. É um imenso complexo de vestígios que permitem uma visão bastante clara de uma unidade de exploração minerária e de seu funcionamento. É um sítio exemplar através do qual é permitido compreender as formas de interação e adaptação do ser humano com o meio natural – explorado e impactado –, além de ter integrado o contexto da atividade minerária desenvolvida durante o período colonial na região das Minas Gerais. E isto faz do Forte de Brumadinho um dos mais importantes sítios arqueológicos do período colonial de Minas Gerais”.
Os pesquisadores destacam ainda que o “Forte do Brumadinho” cumpre um papel importante nessa região de mata: “as imagens de satélite mostram como os vestígios arqueológicos constituem como uma barreira contra incêndios, principalmente na fortificação onde a proteção das paredes para a vegetação preservada é mais evidente”.
Potencial turístico
Ítalo Sousa de Senna, Carlos Fernando Ferreira Lobo e Úrsula Ruchkys, pesquisadores de Geociências e Sistemas Ambientais da UFMG, também já analisaram o Forte de Brumadinho em artigo acadêmico publicado em 2015. Segundo os três pesquisadores, o “Forte de Brumadinho” é o sítio que recebeu a maior nota de Potencial Geoturístico (PGT) no Relatório de Monitoramento do Patrimônio Cultural da Serra da Calçada, produzido em 2008 com o intuito de tombar os sítios arqueológicos e históricos da região.
“O Forte de Brumadinho, local de grande importância histórica regional obteve nota de PGT de 87,90, e já apresenta um intenso fluxo de visitações, dado a facilidade de acesso e ao apelo cênico do local. A construção foi sede de uma fazenda voltada a mineração do ouro, onde a agricultura e pecuária serviam de subsídio à exploração aurífera. Com localização estratégica no topo de uma vertente, o local é dotado de vista panorâmica da qual é possível observar vários pontos da região”, apontam Senna, Lobo e Ruchkys.
O tombamento do Conjunto Histórico e Paisagístico da Serra da Calçada, onde se encontram as ruínas do Forte de Brumadinho, foi efetuado por meio da reunião do Conselho Curador do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico, Iepha-MG, no dia 30 de julho de 2008. O tombamento do conjunto em âmbito federal, contudo, ainda não foi aprovado, segundo dados do relatório do IPHAN de março de 2018.
Atualização: a Folha de S. Paulo informa que a lama da Vale pode ter destruído sítios arqueológicos secundários em Brumadinho – clique aqui.
Bento Rodrigues, devastado pela irresponsabilidade da Samarco, que também é Vale, também fazia parte do Ciclo do Ouro, tinha Igrejas e nessas muitas imagens deste período. Só para lembrar.
Verdade, Rita. Obrigado pela lembrança.
Apesar de haver parecer técnico favorável, o IPHAN decidiu em 2015 não tombar bem, pois este tipo de ação, com relação a sítios arqueológicos, só se justificaria em casos excepcionais.
Obrigado pela informação, Adler! Grande abraço!
Ótimo texto. Obrigado por citar o fotógrafo!
Salve, Caio. Parabéns pelo trabalho!
Que Brumadinho nunca caia no esquecimento!