No primeiro “Dicas de Livros” de 2017, um especial sobre a Primeira Guerra Mundial.
Em 2014, a Primeira Guerra Mundial chegou ao seu primeiro centenário. Na ocasião, historiadores, museus, líderes europeus e população lembraram de um dos conflitos mais terríveis da História humana. Em 2017, a reflexão sobre o centenário ainda mobiliza diversos pesquisadores. Neste “Dicas de Livros” especial, destacamos uma coleção (“Linha do Tempo”) lançada pela editora brasileira Mundaréu entre 2014 e 2015. São seis livros (memorialistas e de ficção) até então inéditos no mercado editorial brasileiro. Todos os títulos possuem enorme qualidade literária e editorial, e expressam o espírito de um tempo: os anos da Primeira Guerra Mundial e os anos imediatamente anteriores e posteriores.
Uma juventude na Alemanha | Ernst Toller | Mundaréu | 2015 | 273 pp.
Escrito pelo dramaturgo alemão de origem judaica Ernst Toller (1893-1939), “Uma juventude na Alemanha” não é um livro apenas sobre a Primeira Guerra Mundial, mas uma espécie de biografia dos 30 primeiros anos de Toller. Esse período foi essencial para o país natal do autor e para o mundo de uma forma geral: o Império Alemão avançou para o leste, a Primeira Guerra Mundial eclodiu, a República de Weimar falhou e os nazistas conquistaram o poder. Toller é um arguto observador de todos esses dramáticos eventos. Na verdade, ele foi bem mais do que um mero observador. O dramaturgo participou da Liga Espartaquista, escreveu obras expressionistas e combateu na Primeira Guerra Mundial. Tornou-se pacifista e esteve muito próximo do socialismo. Depois da tomada do poder, na Alemanha, pelos nazistas em 1933, Toller migrou para os Estados Unidos – onde veio a cometer suicídio em 1939. Como o próprio autor classifica a obra, “não é apenas minha juventude que está aqui registrada, mas a juventude de uma geração e, além disso, parte da História de uma época. Essa juventude trilhou muitos caminhos, seguiu falsos ídolos e falsos líderes, mas nunca deixou de buscar o esclarecimento e de seguir os preceitos dos espíritos”. A edição da Mundaréu no Brasil ainda traz uma apresentação de Joseph Roth: “Um apolítico vai ao Reichstag”, publicada originalmente no Frankfurter Zeitung em 30 de maio de 1924. Para saber mais sobre esta bela obra, clique aqui.
Marcha de Radetzky | Joseph Roth | Mundaréu | 2014 | 423 pp.
Joseph Roth (1894-1939), judeu austríaco, nasceu na Galícia, antigo território do Império Austro-Húngaro e hoje dividida entre Ucrânia e Polônia. Em “A Marca de Radetzky”, seu terceiro livro, publicado em 1932, o autor aborda o período que vai do declínio do Império Austro-Húngaro à sua queda, ao final da Primeira Guerra Mundial, na qual Roth lutou. Para isso, adota como fio condutor a história de três gerações da família de um soldado alçado à nobreza por ter salvado a vida do Kaiser. As trajetórias de avô, filho e neto são indissociáveis do vasto Império Austro-Húngaro. A edição da Mundaréu traz um pequeno, mas significativo prólogo de Luis Sergio Kraus, professor livre-docente de Literatura Hebraica e Judaica na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, autor de uma tese de doutorado intitulada “Exílio entre o Shtetl e o Crepúsculo: Joseph Roth e o Judaísmo no fin-de-siècle austríaco” e defendida na USP, em 2006. De acordo com Krausz, “em Marcha de Radetzky, o mergulho nas causas do esfacelamento do ecúmeno austro-húngaro, um mundo europeu inteiramente diverso daquele que se instalaria após 1918, faz-se de forma obsessiva. A descrição que Roth empreende da trajetória de três gerações da família Trotta, que vivem sob a égide do longevo Franz Joseph I, revela o crescente formalismo e enrijecimento da velha ordem habsbúrbica, com os quais concorre o esvaziamento crescente dos rituais que a pontuam e definem, em todas as esferas da vida cotidiana pública e privada”. Para saber mais sobre a obra, clique aqui.
Um ano sobre o Altiplano | Emilio Lussu | Mundaréu | 2014 | 206 pp.
“Poder dizer, ao raiar do dia, uma hora antes do assalto, ‘pronto, vou dormir ainda meia hora, posso ainda dormir meia hora, depois vou despertar e vou fumar um cigarro, esquento uma xícara de café, que saboreio em pequenos goles e daí fumo um outro cigarro’ parecia a programação feliz de toda uma vida”. Este pequeno trecho é representativo da famosa obra do italiano Emilio Lussu, “Um ano sobre o Altiplano”, publicada em 1937. A obra narra um ano (1916-1917) da luta contra o exército austro-húngaro nas montanhas do norte da Itália, explorando de forma crítica e bastante realista o cotidiano dos soldados da Brigada Sassari, formada principalmente por camponeses. Lussu era oficial na brigada e testemunhou e irracionalidade e a falta de sentido da guerra. Como de praxe, esta bela obra da editora Mundaréu também traz um bom texto de apresentação. Aqui, quem escreve é Ugo Giorgetti, cineasta brasileiro, premiado no Festival de Gramado de 1989 e atualmente colunista do Estado de S. Paulo. Ao se referir à obra de Lussu, Giorgetti sublinha: “a guerra terrível de Lussu é atravessada pelo seu senso de ironia e episódios sangrentos e terríveis misturam-se a outros irônicos, quando não francamente cômicos. Mal preparada para entrar na guerra – como estavam todos os demais participantes dela, com a exceção, talvez, da Alemanha –, a Itália pouco tinha a oferecer em troca de estoicismo e da abnegação de seus soldados”. Para saber mais, clique aqui.
O Fogo | Henri Barbusse | Mundaréu | 2015 | 404 pp.
O clássico “O Fogo”, do escritor francês Henri Barbusse (1873-1935), retrata a vida de um pelotão de homens simples, vindos de diversas partes da França, e que esperam apenas sobreviver à Primeira Guerra Mundial e voltar à normalidade. Diferente de várias outras obras, “O Fogo” foi publicado ainda durante o conflito, em 1915. Mas nem por isso é menos impressionante. Barbusse, embora pacifista, com saúde debilitada e aos 41 anos, alistou-se voluntariamente no exército francês por razões humanitárias na guerra. Tendo passado pelo front, ele relata os dramas dos soldados rasos, suas expectativas, sonhos e desilusões. É um retrato de uma guerra diferente das outras, marcadas pelas novas tecnologias e pela escala industrial de morte e violência. Ao lado de Erich Maria Remarque, autor de “Nada de novo no front”, Barbusse talvez seja o mais reconhecido “autor” de Primeira Guerra Mundial. Um exemplo do seu reconhecimento é o prêmio Goncourt, o mais importante prêmio literário francês, que ele recebeu em 1916. Não faltam motivos para ler “O Fogo”. Além do texto franco e extremamente bem escrito de Barbusse, a Mundaréu traz uma apresentação escrita pelo historiador francês Marc Bloch, também este um combatente da “Grande Guerra”. Um texto inédito em língua portuguesa no qual o fundador da “Escola dos Annales” defende a importância do testemunho no trabalho historiográfico. Uma das grandes inovações dos Annales foi a expansão do conceito de fonte histórica, incorporando registros que até então não eram considerados “confiáveis” ou “dignos” por muitos historiadores, como obras memorialísticas e relatos como o de Barbusse. Clique aqui para saber mais sobre esse belíssimo livro.
Memórias de um oficial de infantaria | Siegried Sassoon | Mundaréu | 2014 | 324 pp.
No Poets’ Corner da Abadia de Westminster, em Londres, 16 poetas da Grande Guerra são homenageados. Siegried Sassoon (1886-1967) é um deles. Mas além de poesias sobre o horror e a brutalidade da guerra, Sassoon é também o autor de “Memórias de um oficial de infantaria”, publicado pela primeira vez em 1937. Na obra, o escritor retrata principalmente a guerra nas trincheiras. Ao invés de representar apenas a violência, Sassoon também explora o lado humano presente no dia a dia do conflito, ou melhor, o lado humano daqueles que se envolveram neste conflito. Seu alter ego no livro é o soldado George Sherston, que, tal como ele, também se alistou voluntariamente sem pensar muito a respeito do que a guerra significava. A narrativa é muito próxima de um diário, o que permite ao leitor perceber as mudanças do personagem, muitas das quais graduais, mas extremamente significativas. Na guerra, Sassoon foi ferido duas vezes em combate e por isso foi condecorado. Quando retornou à Inglaterra logo após o primeiro ferimento, fez ferrenha oposição à guerra, chegando a publicar um manifesto pelo fim do conflito, documento este que foi lido no parlamento. É considerado hoje um dos maiores memorialistas ingleses. Para saber mais obre “Memórias de um oficial de infantaria”, clique aqui.
O Súdito | Heinrich Mann | Mundaréu | 2014 | 447 pp.
Filho de uma brasileira de Paraty, Júlia da Silva Bruhns, e de um abastado comerciante e senador de Lubeck, Alemanha, Luiz Heinrich Mann (1871-1950), que também era irmão do também escritor Thomas Mann, Heinrich Mann foi um dos autores mais conhecidos e lidos da República de Weimar. Boa parte desta fama se deve ao livro “O Súdito”, concluído antes do início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Censurada, no entanto, a obra foi publicada somente em 1919, sendo uma das críticas mais ferozes da época ao reinado de Guilherme II. “O Súdito” permite ao leitor conhecer uma série de eventos e questões que culminaram com a Grande Guerra, caso do militarismo e do autoritarismo alemão, tudo isso através da trajetória do personagem Diedrich Hessling, um pequeno industrial e fanático admirador do imperador alemão Guilherme II. A partir desse tipo humano, Heinrich Mann constrói um acurado panorama social e político da Alemanha no final do século XIX. Mais do que uma sátira, “O Súdito” é um livro de fina representação das vicissitudes de um período histórico marcado pelo cinismo dos governantes e da violência. Mann foi um dos escritores cujos livros foram queimados pelo nazismo nos anos 1930. Para ler mais a respeito, clique aqui.
achoei ótimo as dicas pois sou fascinada pela história da primeira guerra sei que foi horrível mas se fala muito da segunda pouco da primeira e conhecer a história é muito importante parabéns pelas dicas.
Que bom que gostou, Maria! Também achamos somos contra todas as guerras. Mas é fundamental conhecê-las. E sim! Nós também achamos que é preciso falar mais sobre a Primeira Guerra Mundial. Ainda este ano publicaremos mais coisas sobre ela. Até mais! Obrigado por visitar o Café e pelo comentário!
Olá,
Passando só para agradecer pelas indicações de janeiro. Só falta ler “O Súdito”, mas os demais são maravilhosos!
Valeu, Renata! Já viu as indicações de fevereiro? Abraço!
As indicações de livros são muito bacanas, assim como as artigos que vocês publicam. muito obrigada pelo material!