Jesse Eisenberg, o ator conhecido por suas atuações cativantes em filmes como “A Lula e a Baleia”, de Noah Baumbach, e “A Rede Social”, de David Fincher, debuta como diretor em “A Verdadeira Dor”, filme aclamado pela crítica após sua estreia no Festival de Sundance, culminando com as indicações ao Oscar – Melhor Roteiro (Jesse Eisenberg), e Melhor Ator Coadjuvante (Kieran Culkin).
A estreia por trás das câmeras apenas reafirma aquilo que já era percebido na figura de Eisenberg, um ator introspectivo com um tempo cômico afiado e repleto de sutilezas. Assim é também o seu roteiro: uma busca profunda pela compreensão do que seria a dor real; no entanto, realizado com uma certa dose de leveza que encontramos em filmes do gênero Road Movie.
Além de diretor e roteirista, Jesse Eisenberg também protagoniza o filme ao lado de Kieran Culkin, o ator que tem a reputação de ser criterioso na escolha dos projetos para os quais decide trabalhar – diferente de seu irmão, Macaulay, o eterno astro mirim de “Esqueceram de Mim”. Kieran Culkin avançou como um azarão nas casas de apostas para o posto de favorito na temporada de premiações, confirmado com o Globo de Ouro e o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por “A Verdadeira Dor”.
Eisenberg e Culkin vivem os primos David e Benji que, apesar da proximidade durante a infância e juventude, tornaram-se distantes, tanto geograficamente quanto na maneira como conduzem suas vidas. Após o falecimento da avó, de origem polonesa e sobrevivente do Holocausto, ensaiam um reencontro em meio a uma viagem à Polônia, que receberam como herança. A preocupação (comum entre sobreviventes do Holocausto) é de que seus descendentes não abandonem o seu legado.
Com o intuito de entender suas origens e fortalecer suas identidades, os primos embarcam no que atualmente é conhecido como Turismo do Holocausto. Familiares daqueles que pereceram nos campos de concentração e guetos ou que sobreviveram aos horrores da Segunda Guerra, historiadores e estudiosos sobre os temas visitam os locais, hoje, turísticos – cada qual com seus motivos particulares -, mas, fundamentalmente, em busca de algo intrínseco à natureza humana.
Na Polônia, os locais mais visitados são o Complexo de Auschwitz e Birkenau, o Gueto de Varsóvia e o antigo bairro judaico. Outros filmes abordaram anteriormente o tema, como “Uma Vida Iluminada” (2005), mas é “A Verdadeira Dor”, que, mesmo não sendo tão original quanto se imaginou, joga luz sobre questões não aprofundadas noutros títulos similares. Jesse Eisenberg o faz com extrema habilidade, o que lhe rendeu comparações ao genial Woody Allen.
São nessas questões – temas pouco percebidos, encontrados abaixo da superfície – onde reside a riqueza deste filme.
Numa das cenas do filme, o grupo de visitantes (incluindo David e Benji) é encorajado a colocar uma pedra sobre o túmulo de Jacob Kopelman Ha-Levi, datado de 1541, a mais antiga lápide da Polônia, localizada em Lublin. Na tradição judaica, é comum colocar pedras sobre os túmulos – ao invés de flores – e uma das explicações para isso é que as pedras representam uma memória duradoura. Partindo deste princípio, ao encontrarem a casa onde viveu sua avó, os primos decidem por homenageá-la, colocando uma pedra justamente na porta de entrada.
Porém, neste momento, surge um vizinho na varanda da casa ao lado, um senhor já de certa idade avançada, indagando sobre aquilo: aquela pedra ali que poderia atrapalhar a entrada de quem mora na casa, afinal, alguém poderia tropeçar e cair, e isso seria um grande problema. Os rapazes tentam explicar, mas o vizinho não compreende o inglês. Então entra em cena o filho deste senhor para ajudar com a barreira linguística. Para o jovem polonês, não há problema algum, mas para o pai, não. Em suas palavras: “Pode ser perigoso. A mulher que mora aí nesta casa pode se machucar. Melhor não. A sua avó não está enterrada aí”.
A dor de “A Verdadeira dor”
O que está implícito nesta cena é o conflito entre aqueles que precisam lembrar e aqueles que preferem esquecer. O pós-guerra na Polônia foi devastador. Com a descoberta dos campos de concentração e extermínio em território polonês, o sentimento de culpa recaiu sobre a população como granizos pontiagudos. Ao contrário dos alemães, que, para lidar com a culpa, optaram pela preservação, educação e manutenção da memória, os poloneses passaram a buscar subterfúgios que os possibilitassem se eximir de qualquer responsabilidade pelas atrocidades cometidas no país durante a guerra. O esquecimento é uma delas.

Se liga nessa história: logo depois da Segunda Guerra Mundial, Herberts Cukurs imigrou para o Brasil vindo da Letônia. Ele criou os pedalinhos da Lagoa Rodrigo de Freitas e refez a vida. Mas, em 1950, ele foi denunciado como criminoso de guerra nazista. Essa incrível história real é examinada pelo historiador Bruno Leal no livro “O homem dos Pedalinhos” (FGV Editora), que em breve vai virar filme. Confira aqui o livro, em formato físico e digital.
Em 2018, o governo polonês alterou a Lei do Instituto da Memória Nacional (Polônia), que trata da preservação da memória da história da Polônia (incluindo o período da Segunda Guerra Mundial), para acrescentar uma emenda que, se por um lado, criminaliza o negacionismo do Holocausto, por outro, pune a quem atribua ao povo polonês qualquer participação em crimes de guerra nazistas. O resultado é uma grande controvérsia que inibe estudos acadêmicos ou pesquisas históricas que possam sugerir que poloneses não foram apenas mais uma vítima do regime nazista. Não é difícil imaginar que, futuramente, a Polônia transforme o complexo de Auschwitz-Birkenau num grande estacionamento asfaltado e finja que nada ali aconteceu.
Talvez a verdadeira dor, evidenciada por Jesse Eisenberg, esteja no processo de preservação da memória, da conscientização das tragédias humanas, na colocação de pedras sobre túmulos.