Há algum tempo, o professor de história da Escola Municipal de Tempo Integral da Mangabeira, no Recife, Pernambuco, Luis Felipe de Lima Durval, vinha enfrentando uma dificuldade com seus alunos do oitavo ano: eles não conseguiam entender muito bem o conceito de independência. Para os estudantes, era algo demasiadamente abstrato e longe da realidade deles. Como algo ocorrido em 1822 poderia ter efeitos no tempo presente?
Essa dificuldade levou Durval a desenvolver um projeto intitulado “Independências ontem e hoje: olhares sobre os personagens e a luta pela liberdade no Brasil”. O projeto consistiu em uma sequência didática composta por sete momentos de discussão e produção em torno desta temática. Participaram da atividade duas turmas do oitavo ano, sendo atendidos 72 estudantes, com faixa etária entre 13 e 15 anos. O projeto teve 30 dias de duração.
Ao invés de se limitar à narrativa tradicional sobre o 7 de setembro de 1822, o projeto buscou alargar o debate histórico e relacionar o conceito de independência a temas atuais como emprego, renda, saúde, educação e desigualdade. Para isso, foram mobilizadas linguagens diversas — pintura, música, jogos, histórias em quadrinhos e fotografia — que permitiram múltiplos olhares sobre os personagens e processos que marcaram a construção da nação brasileira.
Sete aulas para repensar a história e a Independência
Na primeira aula, “Meu grito de Independência!”, os alunos fizeram releituras da célebre pintura “Independência ou Morte”, de Pedro Américo. Mas, desta vez, com um enfoque pessoal e atual: cada estudante escolheu o lugar, a liberdade desejada e o cenário do seu próprio grito de independência. A atividade abriu espaço para subjetividades e deu o tom crítico que marcaria todo o projeto.
Na sequência, a aula 2 trouxe um panorama histórico do processo de independência do Brasil entre 1808 e 1823. Com uma abordagem dialogada, o conteúdo tradicional foi contextualizado e problematizado, especialmente no que diz respeito à ideia de liberdade no Brasil do século XIX.

O terceiro encontro foi uma discussão sobre o samba-enredo da Mangueira de 2019, “História pra ninar gente grande”, que trouxe ao desfile personagens silenciados da história oficial, como indígenas, negros e mulheres. A música funcionou como um disparador para discutir representações históricas e identidades.
Na quarta aula, “As batalhas, os heróis e as heroínas da independência”, os alunos mergulharam em biografias de personagens pouco conhecidos, ou mesmo invisibilizados nos livros didáticos. Em seguida, apresentaram seminários sobre essas figuras, estimulando a oralidade, a pesquisa e o reconhecimento de outras trajetórias na história do Brasil.
A ludicidade teve papel central na aula 5, quando os alunos participaram de um quiz interativo sobre as diferentes independências do Brasil. A ferramenta Plickers foi usada para promover engajamento e competição saudável em torno dos conteúdos estudados.

HQ da estudante Samara Vitória do 8º Ano “A”.
No sexto momento, os estudantes produziram HQs com o tema “As independências dos vários Brasis”, expressando de forma autoral e criativa as diferentes perspectivas históricas trabalhadas ao longo do projeto.
O projeto terminou com uma sessão e uma exposição fotográfica, na qual os estudantes se caracterizaram como personagens históricos, com trajes de época, e representaram os saberes construídos ao longo das aulas. A atividade “Reconhecendo nossa ancestralidade” foi o ápice simbólico de uma jornada marcada pela sensibilidade e pelo protagonismo juvenil.
Viagem para Portugal
Em agosto de 2024, os alunos envolvidos na atividade participaram do Projeto de arte-educação “Era Uma Vez Brasil”, voltado para estudantes e professores de História do oitavo ano da rede pública de ensino.
Todos os estudantes participaram da primeira etapa do projeto, tendo submetido todas as HQ produzidas. Na segunda etapa, quatro estudantes do projeto de Durval foram selecionados para a etapa campus, onde eles participaram de um acampamento imersivo, onde puderam experimentar práticas indígenas e africanas. Na última etapa, três dos estudantes foram selecionados para um intercâmbio em Portugal.
Protagonismo, criticidade e emoção na sala de aula
Mais do que transmitir conteúdos, o projeto buscou transformar a forma como os alunos se relacionam com a história — e consigo mesmos. Ao mobilizar recursos artísticos, culturais e tecnológicos, a sequência didática promoveu a interdisciplinaridade e estimulou a cooperação entre os estudantes, incluindo de forma efetiva alunos da Educação Especial.

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“A sequência didática movimentou bastante a sala de aula de história, a introdução das artes, do jogo, das HQ’s e, sobretudo, a sessão fotográfica deixou a disciplina mais lúdica, dando mais sentido ao saber histórico. Os estudantes foram protagonistas durante todo o processo, ao passo que tudo foi produzido com eles e não para eles. Enquanto docente, posso dizer que nossa trajetória foi profundamente marcada, à medida que aprendemos novos temas, conceitos e metodologias, ressignificando nosso olhar sobre a história brasileira e sobre o nosso próprio fazer pedagógico em sala de aula”, diz Durval.
Com o uso de diferentes linguagens e referências contemporâneas, os alunos compreenderam que a independência não é um evento do passado, mas um processo contínuo de luta por direitos, reconhecimento e liberdade. E que, para muitos, o verdadeiro grito de independência ainda está por vir.