“The Last Showgirl”: etarismo e objetificação feminina

No filme "The Last Showgirl", da diretora americana Gia Coppola, acompanhamos o drama de uma dançarina em final de carreira.
14 de março de 2025
por
Cena com Pamela Anderon em "The Last Showgirl".
"The Last Showgirl": filme foi muito comentado na temporada. Foto: divulgação.

O tema etarismo está em alta e, convenhamos, já estava mais do que na hora. No mesmo ano em que Coralie Fargeat nos chocou com o sensacional – e injustamente ignorado no Oscar 2025 – A Substância, Gia Coppola nos envolve nesse drama americano que mergulha na vida de Shelly Gardner (Pamela Anderson), uma dançarina veterana dos palcos dos cassinos de Las Vegas que enfrenta o fim de sua longa carreira no espetáculo Le Razzle Dazzle, após 30 anos no palco.

O nome da diretora, de cara, já nos chama a atenção – Gia é cineasta, roteirista e fotógrafa e faz parte da famosa família Coppola, sendo neta do lendário diretor Francis Ford Coppola e sobrinha de Sofia Coppola. Estreou como diretora com Palo Alto (2013), um drama adolescente baseado no livro de contos do ator e cineasta James Franco. O filme recebeu boas críticas por sua abordagem intimista e pela estética melancólica que nos lembra um pouco o estilo de sua tia Sofia. Em 2020, ela dirigiu Mainstream, estrelado por Andrew Garfield e Maya Hawke, um olhar crítico sobre a cultura da internet e a obsessão pela fama digital.

The Last Showgirl conta com um elenco famoso, incluindo PamelaAnderson como Shelly, a veterana Jamie Lee Curtis como Annette—uma ex-dançarina que se tornou garçonete —Dave Bautista (Guardians of the Galaxy) como Eddie, o produtor do show, Kiernan Shipka (Sabrina) como a jovem – e ingênua- dançarina Jodie e Billie Lourd (American Horror Story) como Hannah, a filha distante de Shelly. Com um roteiro aparentemente simples, o filme consegue nos trazer emoções profundas relacionadas a passagem da vida, escolhas e arrependimentos.

"The Last Showgirl": etarismo e objetificação feminina 1

Se liga nessa história: logo depois da Segunda Guerra Mundial, Herberts Cukurs imigrou para o Brasil vindo da Letônia. Ele criou os pedalinhos da Lagoa Rodrigo de Freitas e refez a vida. Mas, em 1950, ele foi denunciado como criminoso de guerra nazista. Essa incrível história real é examinada pelo historiador Bruno Leal no livro “O homem dos Pedalinhos” (FGV Editora), que em breve vai virar filme. Confira aqui o livro, em formato físico e digital.

Pamela Anderson está muito bem em sua interpretação de Shelly, sendo considerada uma das melhores atuações de sua carreira – o que, convenhamos, não seria um grande feito com base em sua filmografia. Sua performance é honesta e emocional, mesmo com alguns resvalos em direção ao exagero e o camp.

Ela traz profundidade à personagem, e, possivelmente – assim como Demi Moore em A substância -, um pouco de sua própria história ao interpretar uma artista que lida com o fim de sua trajetória artística. Jamie Lee Curtis, sempre muito forte como apoio coadjuvante, também se destaca como Annette, adicionando camadas à narrativa com sua presença carismática e nos comovendo com uma atuação bastante envolvente.

Outro ponto que merece destaque é a cinematografia assinada por Autumn Durald Arkapaw, que optou pelo uso de película Super 16mm para criar uma estética nostálgica, evocando o glamour decadente de uma antiga Las Vegas. Essa escolha adiciona uma textura granulada e tons que realçam a jornada de Shelly.

A cenografia do filme reconstrói com precisão os bastidores da cena do entretenimento em Las Vegas, contrastando o brilho do palco com as dificuldades da vida real – e muito pouco glamurosa – enfrentadas pelas dançarinas fora dele. Esse cenário serve como um pano de fundo poderoso para levantar as discussões sobre os temas centrais do filme, como envelhecimento, identidade e resiliência diante da passagem do tempo e dos duros julgamentos da sociedade sobre os corpos femininos.

Já a trilha sonora de Andrew Wyatt complementa perfeitamente o visual do filme, criando uma atmosfera melancólica e interessante. Completando perfeitamente o cuidado com a produção, temos os figurinos de Jacqui Getty que capturam com precisão o brilho e a nostalgia da era dourada do showbiz em Las Vegas.

“The Last Showgirl”: ponto de vista feminista

Se partirmos de um ponto de vista feminista, The Last Showgirl nos serve um olhar sensível sobre as dificuldades enfrentadas por mulheres em uma indústria que frequentemente as descarta à medida que envelhecem. É a vida feminina fadada à uma “validade” curta determinada por setores majoritariamente masculinos a quem padrões estéticos não se aplicam. O filme trata com seriedade a ansiedade de Shelly sobre perder o trabalho ao qual dedicou sua vida, o vazio de um legado que se desfaz como uma nuvem de purpurina e o arrependimento de escolhas passadas, em especial, o abandono da filha Hannah.

No entanto, Gia parece indecisa sobre qual caminho seguir na direção, algumas críticas apontam que o filme, por vezes, oscila entre condenar a exploração das mulheres e romantizar o passado da indústria do entretenimento, falhando em articular uma mensagem feminista completamente clara.

Talvez um pouco disso seja responsabilidade de Pamela Anderson, do peso que ela carrega como celebridade, e, talvez, da pouca experiência da atriz em interpretar papéis onde as suas atribuições físicas não nos são empurradas em primeiro plano. Porém, precisamos ser justos e admitir que “The Last Showgirl” é um filme visualmente marcante e traz uma das atuações mais impactantes da carreira de Anderson, e isso foi reconhecido com indicações como a do Globo de Ouro por melhor atriz dramática. Embora a narrativa nem sempre consiga manter um equilíbrio perfeito entre drama e crítica social, o filme oferece uma reflexão poderosa sobre os desafios enfrentados por mulheres envelhecendo no mundo do entretenimento.

O cinema de Gia Coppola é marcado por uma estética delicada e contemplativa, buscando frequentemente os sentimentos de alienação, juventude e transformação, porém aqui ela adentra novas águas ao lidar com jornadas de mulheres maduras, que estão emocionalmente em outra fase da vida do que os habituais personagens da diretora. Mesmo assim, conseguimos enxergar na obra o processo de Gia ao aprofundar sua exploração sobre identidade e mudança. Com uma direção sensível e uma abordagem visual que busca o equilíbrio entre fantasia e realismo, ela entrega um filme que inicia diálogos com temas como envelhecimento, empoderamento feminino e a passagem do tempo na indústria do entretenimento.

Para tudo existe um começo – “baby steps” como diriam os norte-americanos. Pamela parece ter se redescoberto sem camadas alucinantes de maquiagem e com coragem para se expor ao escrutínio público (mais uma vez), enquanto Gia Coppola segue se firmando como uma voz autoral no cinema contemporâneo, trazendo um olhar único e poético para as histórias que decide contar.

Ainda sem data certa de estreia marcada, The Last Showgirl chegou aos cinemas norte-americanos em setembro de 2024 e deverá em breve entrar em cartaz nos cinemas brasileiros em 2025.


Tais Zago

Tem 46 anos. É gaúcha que morou quase a metade da vida na Alemanha mas retornou a Porto Alegre. Se formou em Design e fez metade do curso de Artes Plásticas na UFRGS, trabalha com TI mas é apaixonada por cinema.

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