Os curtas que estão no Oscar 2025: vários mundos em menos de meia hora

Seleção de curtas para a premiação de 2025 do Oscar se destacam pelos seus temas relevantes e visões artísticas em uma grande variedade de temas e imagens marcantes.
26 de fevereiro de 2025
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Cena do curta "The Man Who Could Not Remain Silent", da Croácia. Foto: reprodução.
Cena do curta "The Man Who Could Not Remain Silent", da Croácia. Foto: reprodução.

Estamos chegando perto da premiação mais esperada do mainstream do cinema mundial. No dia 2 de março, domingo de carnaval, a cerimônia do 97º Oscar vai ao ar, ao vivo, às 21 horas no Brasil. Nesse ano, provavelmente, o país inteiro estará ligado graças às três mais que merecidas indicações do filme “Ainda Estou Aqui” (2024) de Walter Salles. A obra brasileira concorre nas categorias de Melhor Filme Internacional, Melhor Filme e ainda conta com a nossa Fernandinha Torres concorrendo na categoria de Melhor Atriz.

Porém, não só de longas é feito o Oscar – menos festejados, os curtas nos trazem histórias comoventes, únicas e repletas de crítica social e, por que não, beleza. Dividida em três categorias – Live Action, Documentário e Animação – a seleção de curtas indicados merece a nossa atenção e aplauso pela sua variedade de temas e qualidade de produção e alguns deles já estão, inclusive, disponíveis em plataformas de streaming.

Curtas de Live Action

Os filmes se destacaram por demonstrar a diversidade e a profundidade da produção cinematográfica contemporânea em curta-metragem. Cada um oferece uma perspectiva única, contribuindo para a riqueza narrativa celebrada no Oscar 2025. Trago aqui para vocês uma visão geral dos cinco indicados:

A Lien (USA/2023), de Sam Cutler-Kreutz e David Cutler-Kreutz

Dirigido por Sam e David Cutler-Kreutz, “A Lien” aborda a complexidade do processo de imigração nos EUA. O filme acompanha Sophia Gomez (Victoria Ratermains) e seu marido Oscar Gomez (William Martinez) enquanto ele passa por uma entrevista para obter o seu famigerado green card. De forma dramática, o filme retrata os desafios e o impacto emocional causados pelo processo de imigração.

A produção enfrentou desafios logísticos e medidas rigorosas de segurança contra a COVID-19 e foi filmada no Middlesex County College, em Nova Jersey. A Lien é, em tempo, um filme necessário para escancarar os absurdos cometidos por governos anti-imigração, como o do atual presidente norte-americano Donald Trump.

A Lien ainda não está disponível no Brasil, porém nos EUA ele pode ser assistido pelo próprio site do filme.

Anuja (India/2024), de Adam J. Graves e Suchitra Mattai

Ambientado em Nova Délhi, “Anuja” conta a emocionante história de uma menina prodígio de nove anos que enfrenta a difícil escolha entre continuar seus estudos ou seguir os passos da irmã no trabalho (infantil) fabril. Dirigido por Adam J. Graves e Suchitra Mattai, o filme apresenta performances marcantes de Sajda Pathan e Ananya Shanbhag.

A produção conta com um time de peso, incluindo Guneet Monga e Priyanka Chopra Jonas como produtoras executivas, além de Mindy Kaling (The Office) comandando a produção.

Contando com a atuação de meninas do projeto Salaam Baalak Trust, que atua na comunidade de crianças de rua de Nova Délhi, Anuja é mais uma reflexão sobre o injusto sistema indiano de castas, onde os mais vulneráveis são parte de um esquema de produção beirando a escravidão e que abusa largamente de mão de obra infantil. Anuja entrou para o catálogo da plataforma Netflix agora em fevereiro.

I’m Not a Robot (Holanda/ 2023), de Victoria Warmerdam e Trent

Destoando dos seus antecessores estes curtos-metragem holandeses inovador explora temas de identidade e tecnologia, desafiando a percepção da humanidade na era digital. O que vc faria se falhasse no teste de “humanidade” (o famoso Captcha) do Google? Esse é o conflito com o qual se depara Lara (Ellen Parren) em meio a uma tarefa em seu trabalho.

A partir daí Lara sai em busca de respostas, e elas, definitivamente, não são o que a moça esperava. O curta tem uma abordagem criativa das questões de gênero e da posição da mulher em uma sociedade onde o homem é o centro dos interesses econômicos e sociais e nos surpreende com uma narrativa bastante instigante. O curta pode ser assistido gratuitamente pela página oficial no You Tube da revista The New Yorker.

The Last Ranger (Africa do Sul /2024), de Cindy Lee e Darwin Shaw

Situado no contexto da conservação ambiental, “The Last Ranger” segue a jornada de Khuselwa (Avumile Qongqo), uma guarda florestal que enfrenta desafios para proteger a vida selvagem contra ameaças externas de bandidos em busca de marfim, em especial, dos chifres de rinocerontes africanos. Durante um dia de trabalho de campo Khuselwa convida a menina Litha (Liyabina Mroqoza).

Litha é apaixonada pelos rinocerontes e sonha em vê-los de perto. Porém, infelizmente, um dia feliz parece estar fadado à tragédia.  O filme se destaca pela cinematografia deslumbrante e uma narrativa envolvente que enfatiza a importância da preservação ambiental.

The Last Ranger é belo e inspirador com imagens de tirar o fôlego e com uma pontinha de história real.  Um dos meus preferidos ao troféu o curta, infelizmente, ainda não foi lançado no Brasil, mas tem sua própria página com trailer e entrevistas interessantes.

The Man Who Could Not Remain Silent (Croácia/ 2024), de Nebojša Slijepčević e Danijel Pek

Dirigido pelo cineasta croata Nebojša Slijepčević, esta curta conta uma poderosa história ambientada na Guerra da Bósnia, centrando-se no dilema moral de um homem e nas consequências de se manifestar contra a injustiça.

O filme tem sido aclamado por sua narrativa impactante e relevância histórica já que os fatos narrados são reais e baseados no ocorrido em 27 de Fevereiro de 1993, perto da aldeia de Strpci,onde as forças paramilitares sérvias embarcaram de no trem número 671, caçando muçulmanos bósnios. Eles prenderam mais de uma dúzia de pessoas.

De todos os quase 500 passageiros não-muçulmanos no comboio, apenas um homem se manifestou contra o que estava acontecendo, um antigo oficial do exército jugoslavo chamado Tomo Buzov, de etnia croata e cristão. Ele foi o verdadeiro homem que não conseguiu permanecer em silêncio. O curta é, para mim, um dos favoritos ao troféu pela intensidade e importância do tema abordado.

A obra ainda não está disponível em cinemas no Brasil mas pode ser alugado pela plataforma Vimeo e também fora do Brasil pela plataforma do canal ARTE.

Curtas de Documentário

Os indicados ao Oscar 2025 na categoria de Melhor Curta-Metragem Documental apresentam histórias impactantes que exploram diferentes aspectos da experiência humana. Do crime imperdoável à magia da música, o passeio aqui é por todos os sentimentos. Eis uma pequena resenha dos cinco indicados:

Death by Numbers (USA/2024), de Kim A. Snyder e Janique L. Robillar

O documentário de curta-metragem norte-americano de 2024, dirigido por Kim A. Snyder, acompanha Samantha Fuentes, aluna e sobrevivente do massacre na escola de Parkland na Flórida em 2018.

O filme, em parte baseado nos diários de Samantha, explora a jornada emocional da menina enquanto ela se prepara para enfrentar o atirador, por meio de uma statement durante seu julgamento de sentença.

O curta aborda temas como trauma, ódio e o poder restaurativo da justiça. Fuentes, que ficou ferida no ataque que tirou a vida de 17 pessoas na Marjory Stoneman Douglas High School, usou diários e poesia para processar suas experiências que culminaram em uma poderosa declaração no tribunal.

O documentário tem sido amplamente reconhecido por sua comovente abordagem sobre resiliência e empoderamento. O curta está sendo exibido em diversos festivais de cinema e eventos especiais mas ainda não chegou ao Brasil. Para mais informações sobre exibições vale dar um pulo no site.

I Am Ready, Warden (USA/2024), de Smriti Mundhra e Maya Gnyp

“I Am Ready, Warden“, documentário curta-metragem americano dirigido por Smriti Mundhra, acompanha os últimos dias de John Henry Ramirez, um condenado à morte no Texas, acusado pelo assassinato de Pablo Castro em 2004 em frente a uma loja de conveniências.

A narrativa explora as tentativas de Ramirez de buscar redenção e entrar em contato com Aaron Castro, o filho da vítima. Ramirez também tem um filho e passou 14 anos recorrendo de sua sentença, dentro da prisão voltou-se para a religião e recebeu apoio de uma pequena comunidade religiosa local.  

O curta analisa as complexidades emocionais em torno da pena de morte, do arrependimento, dos sentimentos de vingança e o vazio que não parece se preencher com a execução do apenado.

O documentário estreou no Big Sky Documentary Film Festival em 2024 e foi reconhecido por sua narrativa comovente. O curta está disponível para streaming na plataforma Paramount +.

Incident (USA/2023), de Bill Morrison e Jamie Kalven

Dirigido por Bill Morrison e produzido por Jamie Kalven, “Incident” examina questões sistêmicas dentro da aplicação da lei a partir do estudo de um caso específico. Usando imagens de arquivo e entrevistas, o filme lança luz sobre os desafios da responsabilização e transparência na polícia.

Tocando em um tema (sempre) atual também no Brasil – a violência policial – a montagem é feita exclusivamente com material de câmeras de segurança dos prédios ao redor e câmeras corporais dos policiais envolvidos nos oferecendo um comparativo entre o que é de fato gravado e o que é dito pelos presentes.

Com essa linguagem direta Bill Morrison consegue um impacto grande ao expor versões e injustiças. O curta está disponível gratuitamente pela matéria da revista The New Yorker.

Instruments of a Beating Heart (Japão/2024), de Ema Ryan Yamazaki e Eric Nyari

Saindo um pouco fora dos dramas da realidade (ou não?), temos o curta “Instruments Of A Beating Heart” com direção de Ema Ryan Yamazaki e produção de Eric Nyari. O filme de 23 minutos oferece um pedacinho da rotina dos alunos da primeira série de uma escola primária pública em Tóquio, enquanto se preparam para apresentar a “Ode à Alegria” de Beethoven em uma cerimônia de iniciação da turma do primeiro ano.

No centro da narrativa está Ayame, uma menina determinada a tocar um instrumento na apresentação, apesar de enfrentar desafios pessoais e as pressões da dinâmica de grupo e do professor de música.

O documentário investiga temas de perseverança, o equilíbrio entre as aspirações individuais e a harmonia coletiva, e fornece sua visão sobre a abordagem do sistema de educação japonês que mira, acima de tudo, em promover o crescimento comunitário e pessoal. Fazendo isso o curta também nos abre a discussão sobre a pressão educacional e a jornada emocional pela qual passam crianças japonesas e os prós e contras dessa abordagem.

O filme estreou  em junho de 2024, no Festival DC/DOX  e posteriormente foi disponibilizado para streaming em novembro de 2024, por meio do The New York Times Op-Docs gratuitamente.

The Only Girl in the Orchestra (USA/2024), de Molly O’Brien e Lisa Remington

Dirigido por Molly O’Brien e produzido por Lisa Remington, este adorável curta biográfico conta a inspiradora história da contrabaixista Orin O’Brien que, quando jovem em 1966, se tornou a primeira mulher a fazer parte de forma oficial da Orquestra Filarmônica de Nova York.

Molly é sobrinha de Orin e executou o curta com muito carinho e atenção aos detalhes, como uma homenagem ao legado da mulher que ela considera sua inspiração na carreira artística. Orin desafiou muitas barreiras ao adentrar o mundo predominantemente masculino da música clássica.

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Em uma linha temporal bem documentada Molly acompanha a trajetória de Orin do anonimato ao reconhecimento, ao mesmo tempo abordando temas como perseverança, igualdade de gênero e o poder transformador da música. O documentário está disponível para assinantes da plataforma Netflix.

Curtas de Animação

Os indicados ao Oscar 2025 na categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação apresentam narrativas inovadoras e estilos artísticos únicos, podemos dizer que os temas variam do coming of age à crise de meia idade, da fantasia infantil à insuperável dor da perda. Abaixo um resuminho geral dos cinco indicados:

Beautiful Men (Bélgica-França-Holanda / 2023), de Nicolas Keppens e Brecht Van Elslande

Dirigido por Nicolas Keppens, “Beautiful Men” traz uma narrativa sensível e envolvente que explora temas como beleza e identidade. Três irmãos viajam para Istambul na Turquia em busca de um implante capilar.

O filme tem sido elogiado por sua abordagem criativa e estilo de animação distinto por stop-motion. Um tema ainda pouco explorado, a crise de meia idade masculina do homem branco europeu é analisada em uma lupa e despida de romantizações. A animação feita para o público adulto participa de festivais internacionais de curtas e ainda não foi lançada no Brasil.

Para o continente Europeu ela está disponível gratuitamente pelo streaming do canal ARTE.

In the Shadow of the Cypress (IRÃ/2023), de Shirin Sohani e Hossein Molayemi

Este curta comovente apresenta uma história de resiliência e esperança, utilizando um estilo de animação 2D para transmitir sua mensagem. A narrativa é bela e poética, e fala de uma menina e seu pai quando estes são confrontados com traumas passados ao tentar ajudar uma baleia que encalho na praia em frente a sua casa.

Tratando de um assunto delicado, no caso a síndrome do stress pós-traumático, o filme tem sido reconhecido por sua profundidade emocional e execução artística.

Outra animação mais indicada para o público adulto, o curta também já participou de inúmeros festivais internacionais e pode ser alugado pela plataforma VIMEO.

Magic Candies (JAPÃO/2023), de Daisuke Nishio and Takashi Washio

O curta de animação dirigido por Daisuke Nishio e produzido pela Toei Animation e é inspirado em um livro ilustrado coreano infantil de mesmo nome. O curta de 21 minutos acompanha Dong-Dong, um menino solitário que descobre que as balas coloridas, e em formato de bolinhas de gude, que ele comprou permitem que ele se comunique com objetos inanimados, e se conecte com os sentimentos e pensamentos dos que ama o que leva o garoto a descobertas pessoais profundas.

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O filme possui uma narrativa cativante e envolvente com animação vibrante e divertida. “Magic Candies” é um filme para todas as idades e culturas por tratar de questões universais no universo infantil.

Outro participante dos circuitos de festivais de curta internacionais, o filme ainda não está disponível no Brasil.

Wander to Wonder (HOLANDA/2023), de Nina Gantz e Stienette Bosklopper

Dirigido por Nina Gantz, “Wander to Wonder” tem sido apontado como um dos destaques da categoria de animação do ano de 2024.  Após a morte de criador da série infantil – fortemente influenciada pela estética oitentista – “Wander to Wonder”, os três personagens principais Mary, Billybud, e Fumbleton são abandonados à sua própria sorte e passam a criar sozinhos episódios cada vez mais bizarros do programa.  T

emos aqui um stop-motion aparentemente infantil, porém com um humor cadavérico e ácido e sobre o tema morte e abandono, o que faz a obra ser mais apropriada para o público adulto. O curta fez parte da programação do 35º KINOFORUM – Festival Internacional de Curtas de São Paulo e está disponível para aluguel pela plataforma de streaming VIMEO.

Yuck! (FRANÇA/2024), de Loïc Espuche e Juliette Marquet

“Yuck!” (original “Beurk!”) é um curta-metragem de animação francês de 2024, dirigido por Loïc Espuche. A história acompanha o garoto Léo de sete anos que passa suas férias com a família em um acampamento de verão. Léo e seus amigos exclamam “YUCK!”  todas as vezes que veem adultos se beijando.

No entanto, Léo percebe, em segredo, que seus próprios lábios brilham e cintilam em cor de rosa – representação escolhida pela produção para indicar desejo/amor – quando pensa em uma garota chamada Lucie, sugerindo seu primeiro crush. A animação foi inspirada em reações naturais e originais das crianças a cenas de beijo.

A diretora conseguiu criar uma narrativa muito cativante sobre a inocência infantil e o despertar dos primeiros sentimentos. O filme foi exibido no Festival de Berlim de 2024 e no Festival Premiers Plans d’Angers.

Além de estar nos circuitos de festivais a animação 2D pode ser alugada pela plataforma VIMEO ON DEMAND.

Tais Zago

Tem 46 anos. É gaúcha que morou quase a metade da vida na Alemanha mas retornou a Porto Alegre. Se formou em Design e fez metade do curso de Artes Plásticas na UFRGS, trabalha com TI mas é apaixonada por cinema.

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