Vídeo raro de 1973 mostra como foi construída a Ponte Rio-Niterói

O MDB, único partido de "oposição" no país, tentou criar uma CPI para investigar a construção da Ponte Rio-Niterói, mas a ditadura militar barrou a iniciativa.
8 de fevereiro de 2025
Visita do ditador Médici às obras da Ponte Rio-Niterói em 1973
Visita do ditador Médici às obras da Ponte Rio-Niterói em 1973. Foto: Arquivo Nacional / Correio da Manhã.

A Ponte Rio-Niterói é uma das obras de engenharia mais conhecidas do Brasil, por seu tamanho, estrutura e importância, ligando a cidade do Rio de Janeiro à cidade de Niterói. Para quem gosta do tema, o Arquivo Nacional disponibiliza gratuitamente em seu canal no YouTube um documentário histórico de 1973 sobre a construção da ponte, erguida durante um dos períodos mais turbulentos do Brasil: a ditadura militar (1964-1985). São quase 10 minutos de vídeo.

O vídeo foi produzido Agência Nacional como peça de propaganda e mostra desde as balsas que faziam a travessia de veículos pela Baía de Guanabara — solução precária que levava até duas horas — até os primeiros passos da construção, em 1969. Entre as cenas, destaca-se a visita da rainha Elizabeth II ao Brasil, quando o então ministro dos Transportes, Mário Andreazza, apresentou uma maquete detalhada da ponte, símbolo do projeto de “modernização” do regime.

O produtor da peça é ninguém menos do que Jean Manzon (1915–1990), fotógrafo e cineasta francês que se destacou no Brasil a partir da década de 1940, trabalhando para revistas como O Cruzeiro e Realidade. Sua fotografia documental capturou aspectos marcantes do país, desde cenas urbanas até registros da vida no interior, contribuindo para a construção de uma identidade visual do Brasil moderno. Além do fotojornalismo, dirigiu cinejornais e documentários, muitos deles encomendados pelo governo, ajudando a difundir uma imagem oficial do desenvolvimento nacional.

A Ponte Rio-Niterói

A história da ponte Rio Niterói remonta ao século XIX, com propostas de túneis e pontes que jamais saíram do papel. Foi apenas em 1963, durante o governo de Castello Branco, que um grupo de trabalho foi formado para estudar sua viabilidade. Dois anos depois, a ditadura militar adotou o projeto como peça-chave do Plano Nacional de Rodovias, visando integrar a BR-101 e reforçar a imagem de um “Brasil grande”. As obras começaram em 1969, mesmo ano em que o Ato Institucional n.º 5 (AI-5) endureceu a repressão política.

O documentário revela técnicos do Serviço Geográfico do Exército analisando imagens aerofotogramétricas e coordenando perfurações no fundo do mar, enquanto plataformas flutuantes e canteiros de obras tomavam forma na Baía de Guanabara.

Mortes, orçamento e CPI

A construção da ponte Rio-Niterói não foi apenas um feito técnico, mas também um reflexo das contradições do regime militar. O documentário exibe a grandiosidade do projeto — como o vão central de 300 metros, fabricado na Inglaterra e montado no Brasil —, mas omite os custos humanos e financeiros. Oficialmente, 33 trabalhadores morreram, mas relatos sugerem centenas de vítimas, muitas sepultadas nos pilares de concreto devido à pressa em cumprir prazos políticos. O orçamento inicial de 238 milhões de cruzeiros saltou para 674 milhões de dólares, com suspeitas de corrupção abafadas pela censura.

 O MDB, único partido de “oposição” autorizado a atuar no país entre 1966 e 1979, tentou criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a CPI da Ponte Rio-Niterói, ou simplesmente, CPI da Ponte, mas tudo foi barrado pela ARENA, o partido da situação do regime autoritário.

Peça de propaganda dos ditadores

A ditadura usou amplamente a Ponte Rio-Niterói como propaganda, inaugurando-a em março de 1974 com o slogan “obra do século”. Seu impacto foi imediato: reduziu o tempo de viagem entre as cidades de 2 horas para 10 minutos e integrou economicamente a região. No entanto, o foco em rodovias — em detrimento de ferrovias — ainda é criticado hoje, assim como a manutenção do nome “Presidente Costa e Silva”, homenagem ao general que assinou o AI-5.

Obras faraônicas da ditadura

A pesquisadora Sophia Beal escreveu um artigo intitulado Obras públicas monumentais, ficção e o regime militar no Brasil (1964-1985), que fala um pouco sobre a Ponte Rio-Niterói e outras obras do tipo pela ditadura.

” Ao se concentrar em grandes projetos, a ditadura militar gerava uma agitação em torno de suas realizações, na esperança de ofuscar o caráter regressivo de sua política social. Instituiu até uma semana nacional do transporte, organizou uma antologia de obras literárias ligadas ao tema e promoveu um concurso para o melhor poema sobre a rodovia Transamazônica, que estava construindo. Assim, o regime simultaneamente realizava grandes obras públicas e construía uma narrativa sobre o seu significado para os cidadãos”, diz a autora.

Atualmente

Cinco décadas depois, a história da ponte Rio Niterói continua viva. Com 13,29 km de extensão e 150 mil veículos diários, ela é vital para a mobilidade da região metropolitana. O documentário do Arquivo Nacional resgata a memória técnica da obra e convida à reflexão sobre seu terrível contexto político. As imagens das balsas substituídas pela majestade de concreto e aço lembram que, por trás de marcos da engenharia, há sempre histórias de ambição, sacrifício e disputa pelo poder.

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Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas, justiça no pós-guerra e as duas guerras mundiais. Autor de "Quero fazer mestrado em história" (2022) e "O homem dos pedalinhos"(2021).

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