Neste sábado (23), durante as celebrações do 80º aniversário da libertação de Estrasburgo, o presidente francês Emmanuel Macron anunciou que Marc Bloch, renomado historiador e membro ativo da Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial, será trasladado para o Panteão de Paris.“Pelo seu trabalho, pelo seu ensinamento e pela sua coragem, decidimos que Marc Bloch entrará no Panteão”, disse o Macron.
A cerimônia, ainda sem data oficial, simboliza o reconhecimento da nação à contribuição de Bloch tanto para a história quanto para a luta contra o nazismo. No evento deste sábado, o presidente francês disse ainda que Bloch, no início da carreira professor na Universidade de Estrasburgo, foi “o homem do Iluminismo no exército das sombras”.
Morto pelos nazistas
Bloch, cofundador da Escola dos Annales e autor de obras fundamentais como A Sociedade Feudal, destacou-se por sua abordagem inovadora na historiografia e por sua dedicação patriótica. Durante a ocupação alemã, foi afastado da Sorbonne pelo regime de Vichy devido às leis antissemitas, unindo-se posteriormente à Resistência. Capturado pela Gestapo, foi torturado e executado em 1944 junto a outros resistentes, poucos meses antes da libertação da França.
A decisão de incluir Bloch no Panteão reflete uma homenagem ao papel dos intelectuais na luta contra o fascismo. Ex-combatente na Primeira Guerra Mundial e autor de obras fundamentais como “Apologia da História” e “A Estranha Derrota”, ele analisou as causas do colapso francês em 1940, denunciando a complacência das elites frente à ascensão do nazismo. Segundo historiadores, sua entrada no Panteão destaca o compromisso da França em preservar a memória da resistência intelectual e militar contra a ocupação.
Família pede que extrema-direita não participe de cerimônia
Segundo o jornal francês Le Monde, a família de Marc Bloch acolheu com satisfação a sua panteonização do historiador, 80 anos após a sua morte, pela qual os líderes políticos e historiadores há muito requisitavam.
“É uma grande emoção e orgulho. Ele se entregou de corpo e alma pela liberdade e contra o nazismo”, disse sua neta Suzette Bloch.
A agência AFP, conta o Le Monde teve acesso a uma carta enviada pela família de Bloch a Marcon, na qual solicita que “a extrema-direita, em todas as suas formas, seja excluída de qualquer participação na cerimônia” de entrada no Panteão. “A obra deste patriota convicto é profundamente antinacionalista, construída contra o romance nacional e a redução da história francesa às fronteiras nacionais”, escrevem a sua neta Suzette Bloch e o seu bisneto Matis Bloch. A família também quer que a homenagem seja “puramente civil”, como Marc Bloch solicitou em seu testamento.
O Le Monde lembra que o pedido da família ocorre depois que, em 19 de fevereiro, a presença de Marine Le Pen na panteonização de Missak Manouchian, contra o conselho dos seus descendentes e do presidente, causou polêmica. Alguns dias antes, porém, ela havia desistido de ir ao tributo nacional a Robert Badinter.
Historiador brasileiro comenta
O Café História conversou neste sábado com o historiador Jougi Guimarães Yamashita, doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com uma tese intitulada As guerras de Marc Bloch: nacionalismo, memória e construção da subjetividade.
“A escolha de Macron, em comemoração aos 80 anos da libertação de Estrasburgo, parece inconteste. Ainda que a escolha de Bloch seja óbvia, uma vez que é considerado um dos maiores historiadores do século XX, tendo passado boa parte da vida profissional em Estrasburgo, exercendo um papel fundamental na Resistência Francesa a partir de Lyon, chama muito a atenção a polêmica subjacente ao anúncio de Macron”.
Guimarães também destacou o pedido da família de Bloch quanto à interdição da extrema-direita na cerimônia que irá acontecer:
“A família Bloch deixou claro ao presidente que não deseja que a extrema-direita francesa participe da cerimônia no Panteão. O reclame não surpreende, se lembrarmos que a família Le Pen já tentou por diversas vezes tirar proveito político da memória de Marc Bloch em seus discursos xenófobos e racistas. Lembremos que Macron, há pouco, precisou mobilizar uma coalizão de partidos para tentar frear o avanço da extrema-direita no país – e na Europa”.