Em 2009, Abdias Nascimento (1914-2011), uma das vozes mais proeminentes na luta contra o racismo no Brasil, conversou com a Revista Acervo do Arquivo Nacional. Na entrevista, o ativista recordou suas origens em Franca (SP), onde cresceu cercado por histórias de sobrevivência de ex-escravizados e enfrentou as primeiras manifestações do racismo estrutural que marcaram sua vida.
“Nas fazendas que visitávamos, praticamente todos os negros que existiam, homens e mulheres, eram crias, filhos, netos e ex-escravos que trabalhavam em serviços domésticos. Haviam assimilado a cultura do branco. É provável que não tivessem interesse pelas suas origens, pela cultura africana. Não se chamavam eles como escravos, mas a estrutura do regime escravocrata ficava mantida ali, como se fosse imutável”, disse Abdias.
O fundador do Teatro Experimental do Negro (TEN) também destacou o impacto cultural e político da entidade, que, desde os anos 1940, abriu espaço para artistas negros e promoveu debates sobre desigualdade racial. O TEN foi fundamental para iniciativas como o Congresso do Negro Brasileiro e a inclusão de demandas antirracistas na Constituinte de 1946.
Para Abdias, o avanço das políticas públicas em prol da igualdade racial, de leis no ensino e de outras legislações antirracistas é fundamental para a democracia brasileira. Contudo, ele alertou sobre a dificuldade de efetivar essas conquistas, criticando a persistência de estigmas que associam a população negra exclusivamente à escravidão. “No Brasil, as palavras “escravo” e “negro” ainda são sinônimos, o que revela o quanto essa ligação penetra fundo na consciência coletiva nacional”.
“Abdias Nascimento foi um dos maiores expoentes do pensamento negro brasileiro, articulando ideias e ações que continuam fundamentais para combater o racismo sistêmico e valorizar a cultura afro-brasileira. Suas contribuições, como o conceito de quilombismo e a defesa da arte como ferramenta de resistência, permanecem atuais ao inspirar o enfrentamento das desigualdades raciais. Revisitar sua obra é um ato de memória e compromisso com a construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária”, disse ao Café História o historiador Abner Francisco Sótenos, professor no Departamento de Estudos Africanos da San Diego State University (SDSU) e doutorando em História da América Latina na University of California, San Diego (UCSD).
Exposição em São Paulo
Desde o dia 28 de novembro, está em cartaz no Sesc Franca, em São Paulo, a exposição “Abdias Nascimento – O Quilombismo: Documentos de uma Militância Pan-Africanista”, que traz 70 pinturas. Realizada em parceria inédita entre o Sesc (São Paulo), o Instituto Inhotim (Minas Gerais) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, Ipeafro (Rio de Janeiro), a exposição é uma itinerância que partiu do Inhotim, onde integrou um programa sobre Abdias entre 2021 e 2024.
Abdias, que foi o primeiro senador autodeclarado negro do Brasil, de 1991 a 1992 e, novamente, de 1997 a 1999, também é tema de um filme lançado este mês pelo Senado, parte da exposição imersiva “O sonho de Abdias”. O filme passará a fazer parte da visita guiada no Senado Federal.
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