“Cyndi Lauper: Let the Canary Sing”: a vida e a obra da artista passada por sua própria lupa

É um testamento de uma carreira que, de forma alguma, sofreu com a passagem do tempo. Que nos deixa com obras como “True Colors” que virou um hino internacional pela diversidade e pela autoaceitação.
29 de junho de 2024
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O documentário está disponível na plataforma de streaming Paramount + para assinantes. Foto: Paramount.

Cyndi Lauper já sabia, desde muito pequena, o que queria ser na vida. Além de ativista, cantora e compositora, Cyndi, acima de tudo, queria ser diferente. Nascida em 23 de junho de 1953 no bairro Queens em NYC, Cyndi cresceu no seio de uma família tipicamente siciliana formada por imigrantes. Após assistir à histórica apresentação dos Beatles no Ed Sullivan Show em 1964, Cyndi, com apenas 11 anos, decidiu que queria ser parte de uma banda e começou, com Ellen, sua irmã, a tocar violão e cantar. Muito unidas, as irmãs saíram de casa cedo, Cyndi com 17 anos, quando foram morar sozinhas e tentar uma carreira na borbulhante cena musical dos anos 60 e 70.

Cyndi demorou bastante para encontrar sua voz. Primeiro ela cantava em bandas de cover, onde imitava Janis Joplin ou Joni Mitchell, das quais era muito fã. Em 1979 ela conhece o músico John Turi através do namorado, manager e produtor David Wolff, e com ele funda a banda de blues e rock Blue Angel. Porém, o Blue Angel não estava antenado com o zeitgeist do final dos anos 70, onde a onda da Disco Music já estava a todo o vapor. Cyndi, que nunca teve problemas em se reinventar, passou a cantar sucessos de divas do Disco, como Patti LaBelle. Mesmo assim ela ainda não tinha encontrado seu caminho. Após um ano, onde havia perdido a voz por uma lesão causada por esforço nas cordas vocais, Cyndi explorou finalmente os seus agudos e o enorme espectro de alcance de seu talento. Ela era diferente. Unusual. E foi ao se libertar de todas as amarras e iniciar uma carreira solo que ela fechou uma parceria com o músico e compositor Rob Hyman, que culminaria no seu primeiro álbum carregando seu nome “She’s So Unusual” de 1983.

Cyndi acertou precisamente o nervo pop da geração que surgia com o New Wave no começo dos anos 80. Com hits mundiais como “Girls Just Wanna Have Fun”, “She Bop” e “Time After Time” ela foi catapultada para o topo da Billboard, vendeu milhares de discos e arrebanhou prêmios da indústria musical como o Grammy.

Cyndi era (é) um canário do paraíso. Excêntrica, única, criativa, sem ter diretamente o apelo sexual de Madonna, mas reforçando preceitos feministas de liberdade, individualidade e igualdade para todos os tipos de mulheres. No auge da fama da MTV, Cyndi fez vídeos coloridos, bem-humorados e multiculturais onde mulheres estão sempre no protagonismo. Desde muito cedo a artista ergueu a bandeira de apoio ao combate a preconceitos, principalmente à homofobia que se tornou uma epidemia juntamente com a AIDS nos anos 80. Em suas músicas ela trata de sexualidade, liberdade e independência, assim como trata de assuntos polêmicos (da época e infelizmente até hoje) como o aborto, a paridade entre os sexos e a desmistificação das relações amorosas dentro da comunidade LGBTQIAPN+. Cyndi militava enquanto divertia seu fã clube, e isso a levou até mesmo ao congresso norte-americano.

O documentário, “Let The Canary Sing”, tem o título inspirado em uma frase que Cyndi escutou de um juiz ao ser julgada em um caso em que precisava se livrar de um contrato com uma gravadora. “Liberem o canário para cantar”, e como canta bonito essa passarinha. Cyndi conta sua vida, sua trajetória, casos peculiares e relacionamentos amorosos de uma forma cândida, honesta e sensível. Aos 71 anos, a artista, que possui uma memória excelente para detalhes, nos pega pela mão e nos leva por todas as fases, estilos e cabelos, de sua carreira. O microfone também é aberto para familiares, ex-namorados e parceiros criativos. Todos com belas lembranças, e com um carinho muito especial pela artista. Em uma trajetória quase perfeita para uma cantora espetacular, Cyndi chegou ao topo somente após os 30 anos, e chegou sem polarizar, com o coração aberto e poucos escândalos. Um feito que não pode deixar de ser reconhecido.

A diretora Alison Ellwood (San Francisco Sounds – 2023) captou com muita sensibilidade a personalidade de Lauper. Revisitou seu passado, seus vídeos clips, suas sessões de gravação e um acervo inédito de fotos de família da cantora. Entrevistou artistas como Billy Porter – com quem Cyndi trabalhou no premiado musical Kinky Boots (2012) – o cantor Boy George e a diva Patti LaBelle. Ellwood, assim como Lauper, fez questão de colocar o ativismo social da cantora no centro de boa parte do documentário, tratando com Cyndi os assuntos que lhe são caros. Mesmo hoje a cantora não se exime de participar de protestos e fala com deleite do uso do slogan “Girls Just Wanna Have Fundamental Rights” que viralizou durante a mais nova onda de reacionarismo norte-americano na luta das mulheres por manter o direito ao aborto legal.

“Let The Canary Sing” é programa obrigatório para fãs de Cyndi – os velhos e os que estão chegando agora. É um testamento de uma carreira que, de forma alguma, sofreu com a passagem do tempo. Que nos deixa com obras como “True Colors” que virou um hino internacional pela diversidade e pela autoaceitação. O documentário está disponível na plataforma de streaming Paramount + para assinantes. E após assistir, é correr atrás da playlist pois as músicas de Cyndi Lauper ficam por um bom tempo na nossa cabeça. Ainda bem.

Tais Zago

Tem 46 anos. É gaúcha que morou quase a metade da vida na Alemanha mas retornou a Porto Alegre. Se formou em Design e fez metade do curso de Artes Plásticas na UFRGS, trabalha com TI mas é apaixonada por cinema.

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