Quando pensamos em ensinar História na escola básica, nós, professores e professoras, nos preocupamos em responder sobre as razões pelas quais é necessário que se ensine e que se aprenda os conhecimentos históricos em sala de aula. Tal necessidade tem a ver, por norma, com o modo como a História consegue nos fazer entender e ampliar os limites da nossa própria vida, a partir da aprendizagem sobre a vida de outros povos, identidades, modos de ser e maneiras de existir.
A aula de História é um lugar onde a criação do sentido é plural e infinita, de tal forma que nossas narrativas nunca esgotam as possibilidades de conhecer o passado e o presente. Por isso, dizemos que a História é um modo de interpretar o passado, nunca uma forma de apresentar o passado “tal qual teria sido”. Então, em uma aula de História, ao apresentar as interpretações do que aconteceu, através do uso de fontes, vestígios, documentos, não podemos nos deixar seduzir pela ideia, antes muito comum, de “reconstrução do passado”.
Os sentidos mínimos
Entretanto, uma aula de História na escola só pode ser realmente plural se ela for pensada a partir de alguns sentidos mínimos, tais como, o antipatriarcalismo, o antirracismo, o antifascismo, e a defesa das vidas, dos povos, das identidades e das classes sociais oprimidas. Neste breve texto gostaria de abordar, especificamente, dois deles, o antirracismo e o antifascismo. Os dois são o ponto de partida e o fundamento da abertura à infinidade do sentido a que me referi antes. Isso quer dizer que qualquer tema, qualquer conteúdo, qualquer relação que ocorra na sala de aula deve partir desses dois pontos.
Isso não significa perder de vista a importância das infinitas linhas de força que cruzam uma aula, que não se resumem apenas a diferentes interpretações históricas, pois essas são muitas e diversas, e nem perder de vista aquilo que faz parte da vida pessoal dos estudantes, as vozes do mundo que batem à porta da sala tentando entrar, as angústias e as alegrias de professores, estudantes e funcionários das escolas. Mas o que faz da sala de aula esse lugar onde se pode criar, pensar, inventar e afirmar relações com o tempo e relações entre os seres do mundo, só pode existir a partir desses sentidos mínimos.
Tanto o antirracismo quanto o antifascismo, ao afirmarem e serem fundamentos da infinidade do sentido, ensejam à sala de aula não se deixar abater por sentidos ou interpretações que impedem as existências alheias ou que pretendem impor a ideia de uma história única ou de uma verdade universal. O racismo, o fascismo e o negacionismo são linhas de força que diminuem a potência de vida de formas de existir e de viver e, por isso, não podem ter lugar na sala de aula de História, porque sua existência intimida e impossibilita a infinitude e a necessidade do existir do “outro”.
O antirracismo
Como sentido mínimo, o antirracismo se volta à defesa intransigente da vida e das relações horizontais, onde o respeito às múltiplas existências é elemento vital. A aula de História descreve relações hierárquicas, mostra como elas se formam, apresenta sua historicidade, denuncia sua suposta universalidade e, ao fazer isso, ensina sobre como podemos pensar em um mundo onde se possa superá-las.
O antirracismo nos faz, a cada história contada, pensar sobre como chegamos ao ponto em que estamos, ao momento presente, onde as relações entre os seres é modulada pela desigualdade racial, pelo princípio estrutural do racismo, da discriminação. Apontar a historicidade dessas relações é ensinar às novas gerações que o racismo foi criado historicamente e, como tal, pode ser superado.
Se a nossa aula de História consiste em estudar as diferentes histórias existentes, os diferentes e infinitos modos de vida, então, tais histórias são vistas como afirmadoras da diversidade, da pluralidade e da multiplicidade da vida, das formas de vida, das diferenças de gênero, sexualidade e, sobretudo, das diferenças étnico-raciais. Entretanto, afirmar a diferença não é produzir a desigualdade, por isso o sentido mínimo do antirracismo nos permite ensinar história em uma perspectiva de afirmação da diferença e da equidade, e de crítica à desigualdade e às forças que diminuem a potência de ser e de existir das pessoas que não são brancas.
O antifascismo
O antifascismo, neste tempo, é considerado um modo de pensar, ele se baseia nos movimentos antifascistas do passado e do presente e resgata deles sua potência de resistência aos governos e práticas fascistas. Pois, o fascismo tem se mostrado, historicamente, como uma forma política, mas também como um modo de pensar as relações entre os seres, de maneira hierárquica e vertical, onde determinadas pessoas teriam direito a se considerarem superiores a outras. O antifascismo, ao contrário, como um movimento ou como práticas de combate ao fascismo, e tendo assumido uma existência no mundo atual, afirma as diferentes formas de existir, sem o julgamento moral que define um modelo de ser, capaz de julgar e de punir existências que se distanciam do padrão determinado.
Portanto, o sentido mínimo do antifascismo, considerado neste texto também um modo de pensar, nos livra de uma aula de História que consistiria em um tribunal onde a pluralidade e a multiplicidade da vida seriam julgadas a partir de uma história única ou de um modelo único de ser e de existir. O sentido mínimo do antifascismo nos diz que não há modelos, nem padrões, que há apenas muitas histórias e que apenas aquelas que impõem a iniquidade, o sofrimento e o julgamento moral, não são bem-vindas na sala de aula de História.
Muitas histórias permitem muitas aprendizagens, possibilitam a ampliação e a complexificação do mundo dos estudantes. Significa que, ao aprender com a multiplicidade dos modos de vida, os estudantes terão potência para criar problematizações para a sua própria vida e imaginação de outros mundos, onde o fascismo não possa impor o padrão ou julgar o modo de ser alheio e nem o racismo possa produzir a maldade e o sofrimento.
Referências
Pereira, N. M., & Torelly, G. (2023). Para uma crítica da consciência pelos afetos: o ensino de História como desafio de uma aprendizagem das relações. Revista História Hoje, 12(26). https://doi.org/10.20949/rhhj.v12i26.1042.
Como citar este artigo
MULLET, Nilton. Os sentidos mínimos da aula de História (Artigo) In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/os-sentidos-minimos-da-sala-de-aula. Publicado em: 28 nov. 2023. ISSN: 2674-5917.