“O Bar Luva Dourada”: O monstro de Altona

Filme alemão conta a história Fritz Honka, que assassinou e esquartejou 4 mulheres em seu apartamento no bairro de Altona entre 1970 e 1975 na cidade alemã de Hamburgo.
15 de setembro de 2023
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"O Bar Luva Dourada": O monstro de Altona 1
Filme está disponível no serviço de streaming Reserva Imovision. Foto: divulgação.

O bar Luva Dourada (no original, em alemão, Zum Goldenen Handschuh) existe de verdade. Fundado em 1953, ele está, ainda hoje, situado no bairro de St. Pauli, bairro boêmio perto da infame e mundialmente famosa Reeperbahn, a rua dos prostíbulos da cidade de Hamburgo na Alemanha. Assim como o bar, também é real a história de Fritz Honka, um serial killer que buscava suas vítimas entre as prostitutas que circulavam nos bares de St. Pauli, entre eles o Luva Dourada, e após matá-las de forma brutal, as desmembrava e escondia no sótão do prédio em que morava.

Fritz Honka foi um de 10 irmãos, dos quais poucos sobreviveram à “estadia” em um campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial. O pai de Fritz, Fritz Senior, foi preso pelos nazistas por fazer parte do partido comunista alemão, o KPD, o qual lutava contra o pseudo nacional-socialismo alemão de Hitler. Libertado pelo exército vermelho, o pai de Honka logo sucumbiu ao alcoolismo e às sequelas do tratamento no KZ nazista, seus filhos foram distribuídos em orfanatos, e ali cresceram. Entre eles, Fritz Honka.

Uma vida que já começou torta, assim continuou – Fritz não conseguia manter um emprego nem um casamento por muito tempo, herdara o alcoolismo do pai, era violento com suas mulheres e nutria fantasias macabras e perversas em sua sexualidade. Após um grave atropelamento, Fritz que já sofria de um grave estrabismo, ficou com o rosto desfigurado, o que o empurrava ainda mais para um convívio exclusivo com outros rejeitados sociais da época. Sua profissão de guarda-noturno fornecia o anonimato que lhe trazia paz, porém suas fantasias de violência o dominavam.

Impressionado pela história de Fritz Honka, o festejado comediante, ator, escritor e músico alemão Heinz Strunk ( Fleish Ist Mein Gemüse – 2004), resolveu dedicar um livro à história macabra desse underdog que habitava o submundo hamburguês. Com o título Der goldene Handschuh (A Luva Dourada), a obra se tornou um bestseller em 2016 quando foi publicada. O diretor Fatih Akin (Soul Kitchen – 2009), natural de Hamburgo, logo tomou para si a tarefa de trazer para as grandes telas a saga do assassino. Honka, Strunk e Akin parecia ser uma inevitável fórmula de sucesso.

O Bar Luva Dourada estreou nos cinemas alemães em 2018 e chegou ao Brasil em 2019, onde foi festejado em salas de cinema alternativas. Fatih entende de seu métier, e assistindo ao filme, ficamos mesmerizados com as atuações e com a atmosfera criada pelo diretor, que também assina o roteiro com Heinz Strunk.

O ator Jonas Dassler (Mein Sohn – 2021), está irreconhecível por trás da máscara de maldade de Honka. Uma aparência extremamente revoltante e repugnante foi concebida para representar um monstro que só foi descoberto por um golpe do acaso – um incêndio em um apartamento vizinho levou a polícia a descobrir os cadáveres esquartejados de três mulheres escondidos no pequeno apartamento de Fritz em 1975. No total, Fritz assassinou quatro mulheres de forma brutal – por estrangulamento e espancamento – antes de praticar necrofilia e desmembrar seus corpos.

Fatih Akin nos tras uma St. Pauli escura, que vive da noite, dos vícios e da desesperança de seus habitantes notívagos fracassados. Bares sujos, que vendem bebida barata a todos os tipos de rejeitados sociais. A noite vira dia, mas permanece noite dentro do Luva Dourada. Toda essa ambientação está muito longe do high gloss hollywoodiano e da interpretação norte-americana de serial killers. A visão alemã de Fatih é dura, seca, se desenrola de forma lenta, sem excessos visuais ou musicais, mas com um som de arrepiar os cabelos da nuca e nos causar mal-estar. Fritz é um ser humano abjeto em todos os seus trejeitos e hábitos, e Akin não nos poupa de nenhum dos detalhes sórdidos de sua rotina.

Esse tratamento é inusitado para quem não está acostumado com o tom cético e desmistificado que permeia o cinema alemão em sua origem. Nada aqui recebe uma bela maquiagem, até o bonito se torna feio. Tudo é pesado. Não existe nenhum alívio estético ou cômico. Recebemos apenas desilusão, sem heróis, nem mesmo anti-heróis. A realidade nua, crua, sangrenta, suja e despedaçada é o que Fatih e Heinz nos oferecem.

O Bar Luva Dourada, portanto, não é um filme para os sensíveis. É para quem olha a escuridão no fundo do abismo e sente a pulsão de morte na realidade ao seu redor. É um filme para os realistas, pessimistas e os de estômago forte. E mesmo com tudo isso é uma obra-prima sobre uma história real e pouco conhecida até pelos apreciadores de casos de true crime.

O filme está hoje disponível no Brasil para assinantes no catálogo do canal de streaming Reserva Imovision.

Tais Zago

Tem 46 anos. É gaúcha que morou quase a metade da vida na Alemanha mas retornou a Porto Alegre. Se formou em Design e fez metade do curso de Artes Plásticas na UFRGS, trabalha com TI mas é apaixonada por cinema.

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