O conceito de comunismo, segundo Karl Marx

Há muitas formas de definir comunismo. Neste artigo, vamos ver em que termos o próprio Karl Marx, o seu grande filósofo, o definia.
O conceito de comunismo, segundo Karl Marx 1
Karl Marx, judeu-alemão, se tornou conheceu por suas ideias sobre o comunismo e o capital. FotoÇ Hennue Stander, Unplash.

Nos últimos anos, em razão das turbulências da política brasileira, termos como socialismo, comunismo, marxismo, fascismo, liberalismo, conservadorismo, etc. ganharam destaque nas mídias tradicionais, nas redes sociais e nas conversas entre familiares e amigos. Essa imensa quantidade de termos e a complexidade do tema podem gerar dúvidas e confusões. Por isso, esse texto inicia uma série de artigos que pretende explicar as principais ideologias políticas das esquerdas e das direitas. E começamos, talvez, pelo mais popular: comunismo, segundo Karl Marx.

As ideias de Karl Marx

Mas, afinal, o que pensam os comunistas? Embora o principal intelectual dessa ideologia, o filósofo alemão Karl Marx não foi o primeiro e nem o único a defender a necessidade de uma sociedade comunista. Isso significa que o comunismo é uma corrente política plural que ganhou diversas interpretações ao longo do tempo. Em razão da amplitude e complexidade do tema, nesse artigo tratarei apenas das principais ideias de Marx acerca do comunismo.

Vivendo entre 1818 e 1883, Karl Marx experimentou as grandes transformações históricas que ocorreram no século XIX. O crescimento das indústrias e a situação econômica e social dos trabalhadores foram o pano de fundo a partir do qual Marx pensou a história e a política. Impactado com o cenário de miséria dos trabalhadores, o filósofo propôs a construção de uma sociedade sem classes, na qual todos pudessem se desenvolver livremente.

Como exposto no texto Teses sobre Feuerbach, escrito em 1845, transformar a realidade significa também compreendê-la. Marx acreditava que a ação política estava relacionada à busca pelo entendimento da realidade. Por isso, para sustentar suas propostas políticas, ele elaborou um método de análise conhecido como Materialismo Histórico Dialético.

Esse método parte da ideia de que os seres humanos constroem sua própria realidade a partir do trabalho. Os homens, diferentemente dos demais animais, transformam a natureza por meio do trabalho e, com isso, estabelecem diferentes relações sociais. Assim, como seres sociais, os indivíduos, para garantir sua subsistência, precisam dividir o trabalho. Isso significa que o funcionamento da sociedade e a produção de todos os bens e riquezas contam com a participação de todos os indivíduos.

O problema é que essa divisão social do trabalho não é justa e nem igualitária. A produção da riqueza, embora envolva toda a sociedade, é apropriada em sua maior parte por poucos indivíduos que possuem os meios para produzir essa riqueza. Na sociedade capitalista, essa divisão desigual do trabalho aparece no conflito entre burgueses e proletários. Antes da industrialização, os trabalhadores, camponeses ou artesãos, por possuírem as ferramentas necessárias para produzir seus bens, ainda que pobres, exerciam maior controle sobre seu trabalho.

Com a industrialização, a produção de bens e riqueza passa a depender de maquinários inacessíveis a esses trabalhadores. Com o tempo, esses trabalhadores foram forçados a abandonar suas atividades e trabalhar nas grandes indústrias. Nessa sociedade cada vez mais mercantilizada, a única mercadoria que os trabalhadores possuem é sua força de trabalho.

Mais-valia

Apesar de serem os responsáveis pela produção e pela criação da riqueza, os trabalhadores não recebem o equivalente ao seu trabalho. Essa parcela de trabalho não paga, que Marx chama de mais-valia, é fundamental para que os burgueses – que ficam com ela – garantam seus lucros. Isso significa que, na sociedade capitalista, a riqueza dos empresários é construída a partir da exploração da mão de obra dos trabalhadores que, necessitando de seus trabalhos, são forçados a aceitar sua condição.

O crescimento do capitalismo tende a agravar as condições de vida dos trabalhadores. Se a riqueza dos burgueses depende da exploração dos trabalhadores, a necessidade constante de expandir os lucros tende a intensificar a pobreza da classe operária. Contraditoriamente, o crescimento da riqueza possibilitado pelas novas técnicas industriais é também responsável pelo aumento das desigualdades.

Portanto, para Marx, o capitalismo caminha para sua própria destruição. Quanto mais o capitalismo se desenvolve, mais desigualdades são criadas. Haverá, assim, um momento no qual a distância social entre burgueses e proletários será insuportável. Nesse momento, os trabalhadores, insatisfeitos com sua condição miserável, se levantarão para tomar o poder e liderar a sociedade por meio de uma revolução.

Mas e o socialismo?

A revolução significa, para o filósofo alemão, apenas o início da construção de uma sociedade comunista. No início, a tomada do poder político por parte dos trabalhadores procura socializar a produção e abolir a propriedade privada dos meios de produção. Essa etapa, conhecida como socialismo, é o caminho para a criação do comunismo, uma sociedade sem classes e sem Estado.

É um erro comum pensar que na etapa socialista o Estado assumiria o controle de todas as propriedades. Para Marx, apenas os meios de produção seriam socializados. Isso significa que propriedades individuais, como casas e outros bens continuariam pertencendo a seus respectivos donos. O problema não é aquilo que os indivíduos consomem, mas como esses produtos foram produzidos.

Diferentemente do capitalismo, a riqueza produzida em uma sociedade socialista não é apropriada por apenas uma classe. Ao contrário, o objetivo do socialismo é que a riqueza, produzida socialmente, possa ser usufruída por toda a sociedade. Por isso, Marx acreditava que as revoluções socialistas aconteceriam nos países onde o capitalismo estivesse mais avançado, uma vez que, para garantir boas condições de vida para a toda sociedade, é preciso que a produção de riquezas seja bastante elevada. Isso somente seria possível em uma sociedade governada pelos trabalhadores. Não havendo burgueses para lucrar com a exploração do proletariado, a riqueza produzida socialmente poderá ser distribuída também socialmente.

Durante o socialismo, as funções do Estado são temporárias. Com uma sociedade dirigida coletivamente e com as riquezas socializadas, não há mais necessidade da existência do Estado, uma vez que seu objetivo dentro da revolução proletária era contribuir para a transição a construção de uma sociedade comunista sem classes sociais.

Para Marx, a criação de uma sociedade sem classes permite o pleno desenvolvimento dos seres humanos. A capacidade de trabalhar é aquilo que nos torna diferentes dos demais animais. Construímos a realidade e satisfazemos nossas necessidades por meio do trabalho. No entanto, ao longo da história, a maior parte da sociedade não pode usufruir dos frutos de seu próprio trabalho. O capitalismo não criou a exploração do trabalho, mas levou essa exploração ao ponto máximo. Por isso, na visão de Marx, o comunismo é mais que um sistema econômico; é uma forma de superar a longa história da luta de classes e da exploração do trabalho.

Outros comunismos

Em uma sociedade comunista, Marx esperava que os indivíduos pudessem se libertar do trabalho como um fardo. Se o trabalho é aquilo que nos torna humanos, somente pode haver liberdade quando os indivíduos e a sociedade puderem a partir daquilo que realmente produzem.

Por fim, é preciso compreender que as ideias de Marx receberam diferentes interpretações ao longo do tempo. Líderes como Lenin, Fidel Castro ou Mao Tsé-Tung, embora fortemente influenciados por Marx, criaram suas próprias ideias e regimes políticos.

Marcus Vinícius Furtado da Silva Oliveira

Professor de História do colégio de aplicação da Universidade Federal de Uberlândia e pós-doutorando em História pela Universidade de Brasília. É autor do livro A arquitetura fractal de Antonio Gramsci: história e política nos Cadernos do Cárcere e produtor de conteúdo no Instagram @marcusfsoliveira e no @pahistoria

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