Morte no Nilo: a jornada “christiana” de um diretor

Famoso por interpretar desde Shakespeare até personagem da saga Harry Potter, ator e diretor Kenneth Charles Branagh chega ao streaming com obra que vai agradar aos fãs de Agatha Christie.
5 de maio de 2022
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"Morte do Nilo", versão 2022. Reprodução da internet.

Sir Kenneth Charles Branagh tem um catálogo artístico bem sortido: é ator, diretor, roteirista, produtor e até mesmo cantor e compositor. Assim como tem também um armário cheio dos mais cobiçados prêmios da indústria audiovisual, tais como o Oscar, o Emmy ou o Bafta. Quando pensamos em adaptações contemporâneas das obras de Shakespeare para as telonas, o seu nome é o primeiro que nos vem em mente. De Henry V (1989) e Much Ado About Nothing (1993) onde trabalhou com Emma Thompson, à época sua esposa, até Othello (1995) ou no papel do próprio William Shakespeare, em All Is True (2018). Porém todo oevre de um artista um dia se esgota, e chega a hora de mudar o foco da paixão. No caso de Kenneth o novo amor se chama Agatha Christie, outra instituição da literatura britânica, e a expressão deste novo amor se chama “Morte no Nilo” (Death On The Nile, 2022), disponível no StarPlus.

As obras de mistério e investigação da autora em torno da pitoresca figura do investigador belga Hercule Poirot são bastante populares. Quem nunca assistiu a sucedida versão para o cinema de Assassinato no Expresso do Oriente (Murder On The Orient Express – 1974) com o sensacional Albert Finney como Poirot e ainda Lauren Bacall, Sean Connery, Ingrid Begmann e até o nosso psicopata predileto Anthony Perkins no elenco? Ou Morte No Nilo (Death On The Nile – 1978) com o melhor Poirot de todos – Sir Peter Ustinov, além de Bette Davis, David Niven e Mia Farrow? Um programa quase obrigatório para fãs de detetives ficcionais ou de Christie.

Alguém ousar redesenhar essas obras primas do cinema cult é, no mínimo, uma empreitada bastante arriscada e que demonstra grande autoconfiança. Branagh não se intimidou com o desafio e em 2017 lançou a sua interpretação de “Assassinato No Expresso do Oriente” com um elenco estelar. Kenneth, naturalmente, assumiu o papel de Poirot, e não economizou no orçamento chamando Lady Judi Dench, Michelle Pfeiffer, Olivia Colman e Johnny Depp para papeis menores. O resultado foi adequado e um grande sucesso de bilheteria com boas interpretações e bastante opulência visual. Mas o Poirot de Kenneth é bastante caricato e bonachão, não raramente extrapolando o limite do pastiche. O comportamento obsessivo-compulsivo, o perfeccionismo e a arrogância típicos de Hercule, e que pareciam naturais nas interpretações de Finney e Ustinov, recebem aqui uma camada exagerada de maquiagem teatral, quase transformando o suspense em uma farsa.

O relativo sucesso, tanto de público quanto de crítica, dessa primeira empreitada, incentivou Sir Branagh a continuar sua jornada “christiana” e assim chegamos na sua adaptação de Morte “No Nilo”, de 2022. Mais uma vez a verdadeira joia (do Nilo, no caso) é o grupo de atores recrutados para a tarefa. Gal Gadot é Linnet Ridgemont, a milionária com muitos inimigos entre os amigos, que está em lua de mel no Egito com seu belo marido Simon (Armie Hammer). Tudo estaria perfeito se não fosse a presença da ex-amiga de Linnet, e ex-namorada de Simon, Jacqueline (Emma Mackey), que resolveu curar a sua dor de cotovelo seguindo todos os passos do casal. Para fugir de Jacqueline, Linnet embarca em um cruzeiro pelo rio Nilo junto com seus amigos. A patota animada é formada pelo playboy Bouc (Tom Bateman), sua mãe Euphemia (Annette Bening), um ex de Linnet, Linus (Russell Brand), sua assistente Louise (Rose Leslie), o advogado Andrew (Ali Fazal), assim como sua madrinha Marie (Jennifer Saunders) junto com a acompanhante Mrs. Bowers (Dawn French).

E onde entra Poirot? Em um encontro aparentemente casual, enquanto tira suas merecidas férias comendo ovos perfeitamente simétricos em frente as pirâmides no Cairo, Poirot encontra Bouc. Ambos são amigos desde o caso no “Expresso do Oriente” e compartilham uma simpatia mútua em suas excentricidades. Bouc convida Poirot para se juntar ao grupo em suas comemorações nupciais. Sem entender muito bem o porquê, como de costume, Hercule acaba nas águas do Nilo junto com o grupo. Mais uma vez temos montado o cenário com o preeminente investigador em um ambiente confinado com um grupo de pessoas e com um crime em mãos para resolver. O assassino, muito provavelmente, se encontra entre os presentes. E assim começa o jogo de gato e rato, de interpretação de pistas e de intuição que são característicos do personagem. E no final, claro, saberemos o verdadeiro culpado pelas deduções de Poirot.

Esteticamente, “Morte No Nilo” segue o mesmo caminho de “Assassinato no Expresso do Oriente”. É visualmente deslumbrante e tecnicamente muito apurado. O calor das areias egípcias e a vida dentro e em torno do rio Nilo são exaltados. Porém de novo tropeçamos aqui no mesmo Poirot de Kenneth, apesar de, justiça seja feita ao ator, bem menos exagerado em seus gestos e trejeitos do que na obra anterior do diretor. É uma refilmagem que não seria necessária, dentre tantas outras que vemos nessa época que parece querer reescrever os clássicos, mas ao mesmo tempo não decepciona na sua execução e é garantia de bom divertimento. Mesmo para quem já conhece de cor e salteado os desenrolares da trama.

Tais Zago

Tem 46 anos. É gaúcha que morou quase a metade da vida na Alemanha mas retornou a Porto Alegre. Se formou em Design e fez metade do curso de Artes Plásticas na UFRGS, trabalha com TI mas é apaixonada por cinema.

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