As coisas pelo caminho do Batman, de Matt Reeves

Para Andre de Lemos Freixo, boa atuação de Robert Pattinson não é o único destaque do novo Batman. Direção, roteiro e personagens coad-uvantes coroam essa nova tentativa de reiniciar a franquia do Homem-Morcego no cinema.
21 de abril de 2022
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Novo Batman estreou em 2022 nos cinemas. Foto: reprodução.

A nerdice é um mal (aparentemente) incurável. E qualquer nerd, ou fã de quadrinhos, se anima (pelo menos um pouquinho) com a notícia de uma nova representação da sétima arte para um dos personagens mais icônicos e problemáticos da nona arte. O novo “The Batman” (2022), que reinicia a franquia do Homem-Morcego na telona, não foge à regra.

Matt Reeves escreveu e dirigiu “The Batman” com o personagem principal interpretado pelo mesmo ator que viveu o “vampirinho emo” da saga “Crepúsculo”: Robert Pattinson (contém ironia!). Há, inclusive, uma breve cena sobre o protagonista que pinta os olhos de preto no filme…  Mas calma! O resultado foi muito bom, tá? Não se enganem pela brincadeira.

A escolha de Pattinson foi muito criticada e, como no caso de Heath Ledger (que interpretou o Coringa no segundo filme da trilogia de Christopher Nolan), novamente, os chatonildos de plantão estavam errados em sua rejeição a priori. Pattinson tem um desempenho muito bom. E ele consegue entregar essa difícil dupla interpretação. Sua atuação, por um lado, é de um “menino-grande”, riquíssimo (herdeiro), branco, superprotegido, recluso, alienado dos problemas concretos de pessoas comuns no mundo real, pois preso ao trauma do assassinato dos pais. Por outro lado, o brutal e frio Homem-Morcego dá vazão ao seu desejo por vingança, um criminoso de cada vez (às vezes, mais de um).

Referências

A principal referência de Reeves para o seu Bruce Wayne foi Kurt Cobain (líder, vocalista, guitarrista e principal compositor da banda Nirvana); já o Batman é um silencioso e violentíssimo detetive. Contudo, arrisco dizer que, apesar desse bom desempenho de Pattinson, são os coadjuvantes que roubam a cena e fazem de “The Batman” um bom filme (apesar de longo – quase três horas). Paul Dano (Charada), Zöe Kravitz (Selina Kyle/Mulher-Gato), Colin Farrell (Oz/ Pinguim), Jeffrey Wright (Tenente James Gordon), John Turturro (Carmine Falcone), Andy Serkis (Mordomo Alfred Pennyworth) estão muito bem caracterizados, especialmente Dano – atuação impecável em todas as cenas!

Como filme, “The Batman” segue a linha de filmes noir. OK, não é exatamente isso, mas a proposta é bem próxima disso. O ritmo é mais lento de propósito, pois isso gera um clima de peso, de suspense. Vejamos: chove o tempo todo; as ruas são sombrias; os becos escuros, úmidos; os clubes são decadentes, infestados de todos os tipos de vícios e corrupções; os crimes são misteriosos; há segredos, mentiras e passados que condenam a todos ali; a narrativa em off versa cinicamente sobre a desesperança melancólica do investigador (e narrador) diante da decadência moral e material da cidade; uma “dama” que sabe cuidar de si mesma, porém se vê em apuros com o par quase romântico (o “detetive particular”), nesse caso, o Cavaleiro das Trevas. São muitos elementos que remetem aos filmes noir.

Há outras referências cinematográficas além dos filmes noir, claro. Filmes como “Zodíaco”, “Seven – Os Sete Pecados Capitais”, leves toques de “Jogos Mortais” e “O Silêncio dos Inocentes” e “Taxi Driver”, podem ser identificados aqui e ali (entre outros).

Fãs de quadrinhos vão gostar

Para quem curte e acompanha histórias em quadrinhos, “The Batman” é um prato cheio. O filme também desenvolve bem a faceta de detetive e o elemento de mistério na trama, bastante popular nas HQs. Todos os filmes do Batman possuem alguma dimensão de investigação algo “detetivesca”, claro. Mas em nenhum deles o foco central do filme foi esse do início ao fim, como acontece nesse “The Batman”. O filme mobiliza muitos elementos das histórias em quadrinhos, mas não é uma adaptação de nenhuma em particular. Destaco as mais óbvias, especialmente, algumas das principais graphic novels do Homem-Morcego, como “O Longo Dia das Bruxas”, “Silêncio”, e outras menos badaladas como “Ego”, “Batman: Ano Zero”, “Batman: Terra um”. Há vários fan services disponíveis em tela (tem que ficar atento pra perceber), mas o roteiro não prima por grandes tiradas ou momentos brilhantes, apesar de ser um bom roteiro (nada além disso).

Apesar de haver ação no filme, este não é um filme de ação, repleto de efeitos especiais, cenas de CGI, muito jogo de câmera, etc. É um filme que se concentra mais nos diálogos, na investigação em si, e principalmente no ritmo da trama que é profundamente guiada pelo protagonista. A realização deixa alguns pontos a desejar, mas tudo bem. Isso tudo porque o diretor nos conduz pelo fluxo de consciência do “maior detetive do mundo” (#sqn) e seu fiel escudeiro Jim Gordon, enquanto o protagonista (muito lentamente) percebe o papel que ele desempenha, ou melhor, os papéis dele no desenrolar da investigação e da realidade social de Gotham City. Não é batendo em um criminoso de cada vez que se derrota um sistema corrupto e brutalmente corruptor.

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Mas, independentemente das intenções do herdeiro dos Wayne, há esqueletos no armário por toda parte. Nenhuma riqueza é inocente, nem a dele. O legado de destruição e o projeto de “renovação” de Gotham escondem segredos terríveis que envolvem políticos, juízes, mafiosos, empresas e o grande capital. Além disso, o filme problematiza a ideia desesperada de um homem e sua vendeta mascarada (uma postura protofascista de quem desconfia de tudo e todos e se acha acima da lei), como o Batman. O símbolo do medo e da vingança para o controle de problemas sociais, termina por inspirar outros agentes mascarados, igualmente desesperados, céticos, cínicos e protofascistas, porém com consequências diferentes daquelas que o jovem bilionário, em seu mundo de privilégio e alienação, não antecipou. Estas desafiam o próprio vigilante e perturbam o seu senso de moralidade. O Batman se vê, de repente, diante do espelho e se choca com o que vê.

Um herói?

Ao final, quando a ficha cai para o protagonista, e o estrago já está feito, o filme parece apostar na ideia da redenção e/ou conversão do “bat-problema” para o “bat-herói”. A trama nos conduz ao momento de clareza em que um símbolo de vingança e medo se vê forçado a se transformar em um farol de esperança e autossacrifício para os tempos desesperados que enfrentam. A culpa, evidentemente, segue como componente central que move o Batman. Inicialmente, a culpa é (res)sentida pela morte dos pais. Depois, a culpa por ter contribuído para o surgimento de perigos ainda maiores para a cidade que ele tentava “salvar”. Assim, a velha ideia de um Batman “herói” parece ressurgir nas telas de cinema como promessa. Alguém que deveria inspirar atitudes positivas, valores construtivos e a solidariedade. Promessa de um caminho de justiça, responsabilidades e virtudes, não de um voluntarismo cego como um morcego e egoísta. Um símbolo para a mudança dos espíritos dos cidadãos e, então, da própria cidade. Promessa que desvia do caminho dos ressentidos, rancorosos, fascistoides e violentos.

Conseguirão Pattinson e Reeves seguir pelo caminho do herói, mantendo o tom realista e político do diretor, numa (provável) continuação? Conseguirá o assombrado Cavaleiro das Trevas lançar luz às sombras que tomaram conta de Gotham City? Que outras coisas haverão (e serão deixadas) pelo caminho do Cruzado Encapuzado de Pattinson e Reeves? Stay tuned… Same bat-channel, same bat-time.

André de Lemos Freixo

Doutor em História (PPGHIS/UFRJ, 2012), Mestre (PPGHIS/UFRJ, 2008) e Bacharel com Licenciatura (UFRJ, 2006) em História. É Professor Adjunto no Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Tem como áreas de interesse: História da Historiografia Brasileira, História do Brasil Republicano, História Pública, Teoria e Filosofia da História. Foi coordenador do Núcleo de Estudos em História da Historiografia e Modernidade (NEHM/UFOP) no biênio 2014-2016.

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