A morte do Estado federalista em Gana – e as lições para federalistas em todos os lugares

Como morrem os Estados federalistas? Dennis Penu analisa o caso de Gana, explicando que um Estado federalista pode morrer gradualmente, em vez de repentinamente. Em situações de crise, como a atual pandemia, as forças políticas podem explorar facilmente essas oportunidades.
6 de dezembro de 2021
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População de Gana nas ruas durante festa tradicional. Foto: Jay Martin / Unplash.

Dos cerca de 195 países do mundo, cerca de 25 deles (alguns grandes) são total ou parcialmente federalistas. Cerca de 40% da população mundial está sujeita à governança federal. Podemos pensar que os arranjos federalistas não mudam. No entanto, como meu artigo recente na Publius explica, eles mudam, e Gana oferece um exemplo útil.

Hoje, Gana é um Estado unitário, mas costumava ser um Estado federalista. Mas como o federalismo morreu em Gana? Podem os defensores do federalismo em outras partes do mundo aprender lições com o caso de Gana?

Gana como um Estado federalista

Gana formou-se em 1957 a partir da união de quatro regiões anteriormente sob o domínio colonial britânico. Este processo deu ao país a natureza de uma federação do tipo coming-together,[1] termo cunhado pelo cientista político Alfred Stepan.

A primeira Constituição do país reconheceu formalmente todas as antigas regiões do país pelo nome. Essas regiões, por sua vez, elegeram Assembleias Regionais chefiadas por líderes nativos, que tinham autonomia para determinar que as finanças, os estatutos dessa sociedade e os serviços governamentais fossem os adequados para cada área.

Esse arranjo, na época, foi fruto de um acordo de compromisso entre o partido do governo, que desejava um estado unitário completo, e os principais partidos da oposição (em aliança com os chefes), que queriam um estado federal completo.

A Constituição de Gana também protegia o arranjo prescrevendo que quaisquer mudanças nela deveriam ser aprovadas por dois terços das próprias Assembleias Regionais. Nenhum partido tinha essa maioria na época, então, não se esperava que as regiões perdessem sua autonomia. No entanto, foi o que aconteceu, e isso se deu menos como resultado de uma única grande mudança do que por meio de um processo gradual.

A lenta morte do federalismo em Gana

O federalismo em Gana morreu em 1969, doze anos após a sua introdução. A mudança não foi repentina. Em vez disso, ela se desenrolou ao longo do tempo, de uma forma muito bem capturada por conceitos usados ​​em análises de mudança institucional.

A primeira etapa foi a introdução de “comissários regionais” atuando em paralelo às Assembleias Regionais. Em ciência política, chamamos isso de “camadas institucionais”. Isso significa a introdução de instituições paralelas e rivais para competir com a instituição que se deseja enfraquecer. Ao reduzir a relevância das Assembleias Regionais, sua importância diminuiu. Portanto, não surpreendente que os partidos da oposição em Gana não conseguiram fazer tudo o que podiam para disputar as eleições para a Assembleia. Isso deu ao governo federal uma grande vantagem.

Essa situação abriu caminho para o que podemos chamar de “deslocamento institucional”. As Assembleias Regionais acabaram sendo abolidas; e o governo federal decidiu nomear os comissários regionais para substituí-las.

A etapa final da mudança representou uma conjuntura crítica: os partidos da oposição perderam a chance de restabelecer o federalismo quando a constituição foi derrubada em 1966. Em vez disso, uma constituição recém-redigida em 1969 deixou de fora as Assembleias Regionais, confirmando e consolidando o status unitário de Gana.

Sinais de alerta: camadas institucionais e resposta à crise

Aqueles que desejam preservar os arranjos federalistas em outros países podem aprender duas grandes lições com a experiência de Gana.

Em primeiro lugar, é essencial ficar de olho nas “camadas institucionais”, pois elas podem corroer sutilmente as estruturas federais existentes. A pandemia Covid-19, por exemplo, abriu oportunidades para que essas camadas aparecessem. Na Índia, para citar um caso, o governo federal criou respostas paralelas de gestão de desastres em espaços até então controlados pelos estados. Como indica o parágrafo seis deste relatório, os “Estados não tiveram outra escolha a não ser aceitar relutantemente as perdas temporárias de poder e autonomia”. Isso pode ser temporário – nós ainda não temos como saber. Mas a questão é: essas medidas estão tornando as instituições estaduais menos relevantes?

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Cédula de dinheiro de Gana traz lideranças políticas do país. Fonte: PDpics / Pixabay.

Em segundo lugar, crises como mudança climática e Covid-19 criam conjunturas críticas comparáveis ​​ao golpe de estado de 1966 em Gana. As decisões tomadas em tais crises podem ter consequências duradouras para a saúde do federalismo. No Canadá, o governo federal estava “muito relutante em invocar a Lei de Emergências para lidar com uma crise nacional [Covid-19]”. Em contraste, nos Estados Unidos, o governo federal usou esses poderes de emergência para combater a pandemia, gerando uma disputa de poder com os governos estaduais.

O nível de governo que detém a vantagem neste jogo determina onde os recursos são concentrados para apoiar a resposta institucional necessária. Portanto, as decisões tomadas durante essas emergências críticas afetam a força das instituições estaduais (ou subnacionais) em relação ao governo federal – embora não saibamos em que grau.

Federalistas do mundo, cuidado

O golpe de Estado em 1966 e o ​​que se seguiu constituíram uma conjuntura crítica. Mas não é verdade que o federalismo em Gana morreu puramente por causa disso.

Ao contrário, o que aconteceu em Gana no final dos anos 1960 foi o culminar de uma lenta e clara década de mudanças. Esse processo político envolveu, de forma pragmática, o desaparecimento das características essenciais de um Estado federalista. Os protagonistas do federalismo devem, portanto, estar cientes desses processos e resistir ou enfrentá-los antes que seja tarde demais.

Como citar este artigo

PENU, Dennis. A morte do estado federal em Gana – e as lições para federalistas em todos os lugares. In: Café História. Tradução de Bruno Leal Pastor de Carvalho. Original em: The Loop. Publicado em 6 dez. de 2021. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/a-morte-do-governo-federalista-em-gana/. ISSN: 2674-5917.


[1]  NT. em português, algo como “venha e una-se”.

Dannis Penu

Bolsista de Doutorado, Erasmus University Rotterdam. Tem interesse nas ligações entre política territorial, geografia política e conflitos, que ele estuda usando técnicas de pesquisa qualitativa e comparativa. Seus trabalhos foram publicados em periódicos incluindo Political Geography, Publius: The Journal of Federalism e o Journal of Peacebuilding & Development.

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