Há um século e uma década, o mundo via um novo conflito se delineando. Ele seria algo nunca visto na História. A guerra invadiu o espaço urbano e custou a vida de milhões de civis e o que era um conflito “clássico” em 1914 já no começo do ano seguinte se reconfigurou como uma guerra de trincheiras. A vida nas trincheiras era tão brutal que é até difícil para nós imaginarmos como ela era. Felizmente, existe o cinema para, com segurança, nos colocar no lugar dos outros num exercício que mistura aventura com empatia. E não é somente o cinema de Hollywood que é capaz de fazer essa mágica! Prova disto é o didático filme holandês “1914 – A Primeira Guerra”, que nos coloca nas trincheiras ao lado dos combatentes.
Nossa história começa perto de Paris, em 1914. A guerra acaba de ser declarada e o jovem Arthur Knaap (Timothy Flohr) quer se alistar, sedento para, com as próprias mãos, fazer os alemães pagarem pelos crimes contra a humanidade que cometeram. Por se tratar de um holandês vivendo na França, Arthur tem de se alistar na Legião Estrangeira.
Depois de apenas quatro semanas de treinamento – e não das doze usuais – o regimento de Arthur é mandado para a linha de frente. Arthur, que tinha esperança de estar em casa no Natal, com toda a questão resolvida, fica chocado com o que encontra. Ele, que esperava andar a cavalo e lutar com espadas, se vê à beira da loucura tendo de rastejar para sua sobrevivência, desviando-se de tiros e granadas.
Em alguns momentos, vemos Arthur escrevendo cartas para a família na Holanda. Ao longo dos quatro anos da Primeira Guerra Mundial, bilhões de cartas e cartões postais foram trocados entre familiares, amigos e até mesmo colegas de trabalho. Trocar correspondências, por manter a moral e a esperança dos soldados, diminuía o risco de sublevações. Arthur chega a escrever sobre a “vida fácil” nas trincheiras, na qual sobreviver é o único requisito para garantir a refeição seguinte.
O título em inglês do filme é “No man’s land”, expressão que se convencionou traduzir como “terra de ninguém”. Este foi o nome dado à estreita faixa de terra entre trincheiras, na qual era possível encontrar cadáveres apodrecendo, animais como ratos e baratas e minas explosivas. É nessa área de combate que acontece o clímax do filme.
Durante a Primeira Guerra Mundial debutaram diversas tecnologias de combate, como os gases químicos, os tanques blindados, os morteiros, as granadas de mão e os lança-chamas. Além de armas, equipamentos de defesa também foram aprimorados, como os capacetes, que de tecido passaram a ser de aço.
A Holanda permaneceu neutra na guerra, mas como visto no filme isso não impediu holandeses de lutar ao lado das potências aliadas. Arthur Knaap existiu de verdade, assim como o pai, Otto, crítico de arte. As cartas de Arthur serviram de base para o roteiro, e numa delas ele justifica sua ida para o front como causada por “sede de aventura, a febre do combate, o amor à França”. Não é à toa que o título original do filme seja “Patria”. A atuação principal de Knaap foi como soldado mensageiro na Batalha do Somme, em 1916.
Não há nada em “1914 – A Primeira Guerra Mundial” que não tenha sido mostrado no cinema antes – BEM antes. A excitação com o alistamento já pôde ser vista em “O Grande Desfile” (1925). Os treinamentos e o cotidiano nas trincheiras foram filmados em primeira mão, quando a guerra ainda acontecia, por Charles Chaplin em “Carlitos nas Trincheiras” (1918). Novamente o cotidiano e a volta para casa durante uma licença são mostrados em “Nada de Novo no Front”, filmado pela primeira vez em 1930. O difícil retorno à vida civil foi assunto de filmes como “O Último Voo” (1931) e “Fome por Glória” (1933), ambos curiosamente protagonizados pelo mesmo ator, Richard Barthelmess.
Tecnicamente, “1914 – A Primeira Guerra” beira o amadorismo. Os fade outs são constantes e muito alongados, parecendo uma técnica que o realizador aprendera recentemente e queria provar que sabe usar. E que realizador é Klaas van Eijkeren: ele é diretor, roteirista, produtor e compositor do filme, que é sua estreia no cinema.
Por sua curta duração – apenas 78 minutos – “1914 – A Primeira Guerra” é ideal para ser visto em sala de aula, pois numa aula dupla de 100 minutos é possível exibir o filme e debater sobre ele com os alunos. Com alguns defeitos técnicos, mas prenhe de boas discussões, este é um destes raros casos em que conteúdo importa mais que a forma.